Por Maurício Motta
Vivemos na era da informação e das redes sociais. O volume de dados que circulam o planeta Terra diariamente ultrapassa o valor inimaginável de 12 bilhões de Gb. O fenômeno da capilarização da informação, proporcionado pela internet, fez com que os grandes conglomerados de comunicação praticamente perdessem o controle e o monopólio que mantinham sobre a comunicação de massas. Cada pessoa pode ser um comunicador, cada celular é um instrumento de informação. Mas o que é informar?
Do latim informare, informar significa dar forma, instruir. A ideia implícita em informar é oferecer conteúdo àquele que ignora, pressupondo que a informação é construída a partir de alguém que previamente conhece o fato e, moldando – dá forma – para em seguida comunicar ou informar.
A história da veiculação de informações e notícias no Brasil colonial, seguiu na contramão do que se praticava na América espanhola. Segundo Sergio Buarque de |Holanda, ainda na primeira metade do século XVI já se prensavam livros na Cidade do México, mas somente em treze de maio de 1808 através de um decreto assinado pelo Príncipe Regente D. João VI, foi criada a Imprensa Régia. Então, em setembro daquele ano e com a utilização de maquinário de tipografia instalado na residência de Antônio de Araújo e Azevedo, futuro conde da Barca, Ministro dos Assuntos Estrangeiros e da Guerra, saiu a primeira edição da Gazeta do Rio de Janeiro. Essencialmente o jornal reproduzia informações anteriormente distribuídas por outros periódicos europeus, além de apresentar notícias sobre os atos de governo. Uma biblioteca era um jardim em um ambiente cultural ainda extremamente árido como o do
Brasil colonial e, somente a partir de 1808 o Rio de Janeiro, capital do império português, recebeu sua primeira Biblioteca Real.
Ainda em 1808, por não ser permitida no Brasil a impressão de qualquer livro, jornal ou panfleto, além do material produzido pela Imprensa Régia, o jornalista Hipólito José da Costa fundou o Correio Braziliense. Hipólito fundou seu jornal em Londres, onde passou a ser impresso e distribuído, chegando clandestinamente ao Brasil e escapando assim da proibição imposta pela coroa, já instalada na cidade do Rio de Janeiro em função das invasões napoleônica a Portugal. Tornando-se um instrumento de divulgação de ideias liberais em língua portuguesa, tendo acompanhado e transmitido informações sobre a Revolução do Porto de 1820 e o processo que conduziu à independência do Brasil em 1822, certamente causava transtornos à coroa portuguesa. A independência americana e a Revolução Francesa eram ainda episódios recentes e preocupantes aos interesses coloniais portugueses. De tal modo era necessário controlar a livre circulação de notícias e informações que, segundo o historiador Laurentino Gomes, o Correio Braziliense passa a ter parte de sua tiragem adquirida pela própria coroa e passa a receber subsídios para apresentar um conteúdo mais amigável ao governo de D. João. Arriscaríamos dizer que pode ter sido o primeiro caso conhecido no Brasil de acumpliciamento entre o Estado e um meio de comunicação.
Em 1811 surge na Bahia o jornal Idade d’Ouro do Brazil, publicado duas vezes por semana e com a permissão do Governador Geral da Bahia, Marcos de Noronha e Brito. Ainda não se diferenciava do que hoje conhecemos como Diário Oficial, apresentando apenas atos oficiais e notícias do governo.
Após o retorno da família real a Portugal em 1821, o Reverbero Constitucional Fluminense é lançado no Rio de Janeiro. Era um momento em que muitas ideias circulavam, como o retorno à condição colonial, a independência e o republicanismo. Sem a presença da família real e contando com um ambiente menos repressivo, os periódicos tornam-se menos raros. O amplo desenvolvimento da imprensa brasileira vai ocorrer a partir de 1822 com a Independência. Durante o primeiro reinado e, sobretudo ao longo do segundo reinado, os jornais se consolidavam como veículos de comunicação, transmissão de ideias e como formadores da opinião pública. A propósito do segundo reinado, D. Pedro II era alvo rotineiro de matérias críticas, charges e humor ácido, nem assim o Soberano impôs qualquer censura, reforçando o ideal de liberdade de expressão e de imprensa.
Segundo o pensamento liberal, a atividade da imprensa em qualquer lugar do mundo está ligada de modo indissociável à liberdade de expressão e ao sigilo das fontes. Assim sendo, é impossível informar se houver qualquer tipo de barreira ou limite. Entretanto, durante o período Vargas, especialmente durante a fase do Estado Novo (1937 a 1945), a atividade jornalística e a livre circulação de informações foram seriamente ameaçadas e a pesada mão do controle estatal se fez presente. Não trataremos neste artigo das especificidades do controle da gestão Vargas, mas podemos afirmar que até aquele momento, nem mesmo durante o período anterior à República a censura se fez de modo tão intenso e institucionalizado. Somente com a Constituição de 1946 a imprensa brasileira pôde contar com um ambiente menos hostil, ainda que regulamentado pelos instrumentos legais.
Durante os anos do regime militar, e nos reportando à Constituição de 1969, o Art. 153, § 8º tinha a seguinte redação:
“É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes”.
Depreende-se que qualquer informação com caráter de licenciosidade moral, apologia ou incentivo a crime, ou ainda à subversão da ordem estabelecida e desejada pela ampla maioria da população conservadora da época, era obviamente proibida. Ainda que as informações que nos chegam referentes àquela época, descrevam um controle absoluto do Estado sobre os meios de comunicação, este não é o consenso. O filósofo e jornalista Olavo de Carvalho, que trabalhava no meio jornalístico naqueles tempos, afirmava que não havia censores em cada redação, que eles sequer eram autorizados a acessar os recintos restritos aos jornalistas, que as notícias não eram censuradas de todo, apenas os trechos que violavam o referido artigo constitucional.
A Constituição de 1988 retoma a questão da liberdade de modo muito especial em dois de seus artigos. O Artigo 5º, IV diz que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”; e no Art. 220 lê-se:
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
É clara e de facílima compreensão a mensagem destes artigos, não cabendo dúvida ou interpretação: liberdade! Para os casos de abuso ou inverdade o Código Penal contém previsões quanto a injúria, calúnia e difamação. Casos específicos são tratados de forma específica, e de maneira geral vivemos sob o estandarte da liberdade de expressão.
Em 2009 o Plenário do STF decidiu que era inconstitucional a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da atividade jornalística. Aquela decisão derrubou o Decreto-Lei 972/69 que limitava o exercício legal da profissão aos formados em curso superior de jornalismo. Assim, em conformidade com o princípio de liberdade de expressão sob o qual vivemos, qualquer pessoa pode informar “sob qualquer forma, processo ou veículo” (C.F. Art. 220). A decisão do STF veio àquela época acompanhar as inovações que abordamos em nosso primeiro parágrafo deste artigo, tornando ainda mais livre o terreno digital em que hoje “trafegamos”.
Mas afinal por que tantas vozes se levantam clamando pelo estabelecimento de limites à liberdade de expressão? Por que motivo, setores da política nacional tem incorporado esta mentalidade que só pode ser compreendida em governos ditatoriais? O ex-presidente Lula, por exemplo, tocou ao menos nove vezes no tema da regulamentação desde 2019, tendo sido bastante explícito em uma de suas falas durante viagem à Europa: “Vamos ter que regulamentar as redes sociais, regular a internet, colocar parâmetro”. Pode ser que o sentido etimológico original da palavra informar possa dar alguma luz aos questionamentos. Informare é dar forma. Informar, mais que o simples ato de dar a conhecer é moldar o fato para atender ao sentido ideológico daquele que informa, formando a opinião daquele que é informado. Múltiplas opções de “forma” deixam ao leitor a tarefa de refletir e decidir por si só quanto à verdade dos fatos. E o que a política tem a ver com os meios de comunicação? Ao menos em dois momentos o poder político e os meios de comunicação se encontram.
O primeiro momento é representado pelo Artigo 21 da Constituição de 1988 que trata das competências da União, onde está estabelecido no inciso XI que compete a União
“explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.
Desta forma a União tem poder de influência, mesmo que indireta, sobre o conteúdo e a linha editorial ou de programação que lhe compete conceder, atendendo de toda forma aos termos da nossa Constituição.
O segundo momento é indireto, mas de profunda relevância para o bom entendimento dos interesses e conflitos de interesses envolvidos na legítima tarefa de informar. Em uma lista tornada pública em 2011 pelo Ministério das Comunicações, 56 parlamentares constavam como sócios ou diretores de empresas de comunicação. Ainda que a legislação da época autorizasse a participação societária e vedasse o exercício de diretoria a políticos, ou seja, ainda que fosse legal, seria perfeitamente lícito o questionamento quanto a moralidade daqueles vínculos. A título de exemplos, a família do ex-ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães possuía naquele ano a TV Mirante e a família Collor de Mello a TV Gazeta, ambas afiliadas à Rede Globo de Televisão.
Segundo Lucas Borges de Carvalho, em seu artigo ‘A política da radiodifusão no Brasil e seu marco legal: do autoritarismo ao ultraliberalismo’,
“(…) Assim é que, conforme demonstram Costa e Brener, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) se valeu da possibilidade legal de conceder autorizações, sem licitação e de forma não onerosa, para a prestação do serviço de Retransmissão de Televisão (RTV), visando angariar apoio político em momentos cruciais, como no caso da votação da emenda da reeleição”.
E no mesmo artigo, citando Costa e Brener em ‘Coronelismo eletrônico’,
“(…) Depois de passar praticamente quase todo o ano de 1995 sem distribuir RTVs, o ministro Sérgio Motta — que coordenou o processo de arregimentação de votos pró-reeleição — assinou, naquele mês, portarias de outorga de aproximadamente 400 repetidoras, sobretudo para empresas e entidades controladas por políticos e para prefeituras”.
Se considerarmos as conexões diretas e indiretas criadas a partir do controle ou participação em emissoras de rádio, televisão, jornais, revistas, sites de internet, canais… Bem, a lista seria quase infinita. Todas as conexões nos induzem à conclusão de que muito mais que informar, “muito além do papel de um jornal” conforme uma campanha publicitária de O Globo, a atividade jornalística tacitamente se presta a formação de opinião, direcionamento de seu público, atenção aos interesses de mercado e principalmente, associação com o meio político para melhor alcance de seus interesses próprios e mútuos.
Se as pautas da censura velada e da regulamentação dos meios de informação têm sido cogitadas com frequência, não é de causar espanto. Os poucos exemplos apresentados neste artigo são apenas a ponta de um iceberg gigantesco que, caso fossem elevados acima da linha d’água do conhecimento público, desnudariam as relações formadas entre a comunicação e o poder. Políticos de oposição e os tradicionais veículos de comunicação de massas unidos, buscando desfigurar as políticas de governo e moldar a opinião pública (como sempre o fizeram), encontrando na internet a barreira final que os têm impedido de voltar às velhas relações de compadrio.
De Hipólito da Costa às denúncias de favorecimento a emissoras de televisão por meio de publicidade oficial, passando pela participação política em empresas de comunicação, há um padrão histórico de compadrio, de corrupção, de concussão. O silêncio comprado ou o foco dos holofotes, tudo depende de qual lado se está. Se não pagam pela informação que querem, recebem a informação que não solicitam. Para os detentores tradicionais da informação, a verdade e a mentira são dois lados da moeda viciada lançada ao ar.
A relação do público e do privado e ambas com seus eleitores, leitores e telespectadores nunca mais serão as mesmas, ou ao menos não retroagirão enquanto estivermos sob o refrão:
“Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós! Das lutas na tempestade dá que ouçamos tua voz!”.
Voz alta e clara, isenta de censura e livre.