Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, negócios, eventos e incidentes são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência.
Capítulo II
Vândalos e visigodos invadem a capital
No episódio anterior, o bruxo Iotha fitava a turba de camponeses dispostos ao redor das muralhas do palácio. Seus olhos vermelhos ardiam em ira contra aqueles que, em seu pensamento, eram apenas instrumentos geradores de energia para manter a magia de Bradzorden, mas que agora estavam perigosamente se negando a fornecê-la. Aos seus olhos pareciam cordeiros, pacíficos, pacatos, ordeiros. Como eliminá-los sem parecer um sacrifício em holocausto aos deuses? Era necessário alterar aquele cenário, mas para tanto os astros deveriam estar em seu alinhamento mágico, era necessário aguardar. Assim, no oitavo dia dedicado ao deus Janus, quando a lua se encontrava em seu plenilúnio, a voz de Iotha soou como um trovão.
– Se são cordeiros, que pareçam lobos famintos!
Sob a vibração de suas palavras, entre os ingênuos camponeses, sugiram grupos vestidos à moda camponesa, e que iniciaram uma marcha em direção ao palácio. Tal movimento animou até os corações mais pacíficos, então, como um rebanho seguiram àqueles seres mágicos. Ao mesmo tempo, com a força de sua mente maquiavélica, Iotha ordenou a Alex Morus que permitisse que a turba tivesse acesso à ponte levadiça do palácio. Para isso, os guardas da ponte, encantados pela balança mágica de Alex permitiram a entrada dos invasores enquanto um dos lacaios mais fiéis de Alex Morus, chamado Flatus Denário, dispersou o restante da guarda, franqueando as pesadas portas de acesso e, permitindo que a multidão violasse as defesas, profanando o palácio de Bradzorden.
Era o cenário desejado por Iotha, agora os gentis cordeiros pareciam lobos ferozes. Era o momento de agir. Subitamente os guardas do palácio retomando as próprias consciências e suas posições de defesa, conduziram sob vara os invasores ao calabouço, enquanto os seres mágicos esvaneciam no ar deixando todos aturdidos.
O calabouço não foi suficiente para tantos camponeses, o amplo pátio interno foi transformado em masmorra e ali havia choro e ranger de dentes. Muitos oravam, outros choravam, todos clamavam por justiça.
Bradzorden caíra de vez. Seus três cavaleiros, assim como seus instrumentos mágicos, serviam a um senhor oculto nas sombras. Os camponeses que permaneciam em seus burgos, souberam da queda de seu reino, reagindo com terror e desolação. Por outro lado, nas colinas de Bradzorden, os camponeses encantados riam e se deleitavam do sucesso de seu mestre, antecipando o gozo das benesses e banquetes em que se deleitariam. Todas as forças de defesa de Bradzorden, como que sob encantamento atendiam a forças ocultas.
Certo é que, intramuros, alguns poucos nobres ainda alteavam suas vozes denunciando o escândalo, mas também eles, de algum modo acabavam sendo calados, banidos ou encarcerados.
Diante dos acontecimentos, a princesa Demokratia acabou caindo gravemente adoecida. Os antigos médicos do reino vaticinavam e repetiam as receitas encontradas nos antiquíssimos escritos do eremita Olaph: “quando a princesa Demokratia adoecer gravemente, somente pela revolução dos astros e pela conjuração de violentas forças mágicas, é que será possível restituí-la à saúde”. Segundo a interpretação daqueles escritos, de nada adiantaria usar os instrumentos mágicos dos cavaleiros, posto que todos se encontravam maculados pelas forças terríveis do poderoso bruxo Iotha. Somente pelas forças luminosas dos astros Demokratia recuperaria a força e o vigor de outros tempos…
Conforme o tempo passava, a violência se espalhava pelas terras do reino de Bradzorden. Nos campos, os produtores eram atacados por invasores. Nas veredas, salteadores desviavam carroças vindas dos mais distantes vilarejos. Alguns artesãos fugiam para reinos vizinhos ou fechavam as portas de suas oficinas de trabalho. Caravanas vindas de terras distantes evitavam as rotas que se dirigiam a Bradzorden. Os guardas do palácio, visitavam inopinadamente algumas casas, em busca de indícios ou provas de conspiração, contra o que chamavam de “refazimento da unidade de Bradzorden”. Temor, desconfiança e denúncias de irmãos contra irmãos, faziam parte da rotina daquele reino que empobrecia e morria pouco a pouco.
Insano, Lucius Lúpus se embebedava em sua volúpia, possuindo de modo doentio a princesa Demokratia. Alex Morus, como uma marionete, movia no ar sua balança mágica, pervertida em vara de condão, invertendo a ordem vigente, decidindo o que era certo ou errado, bom ou mau, proibido ou permitido. Morus, sob o império de Iotha, fantasiava em si a sabedoria da princesa Demokratia. Naquele reino mágico a ordem natural das coisas se invertera. Os rios corriam dos mares em direção às montanhas. Gotas de água brotavam da terra e se dirigiam ao ar, tornando-se nuvens, tudo conspirava para que as terras secassem e nos campos nada brotasse.
De nada adiantava “conhecer os desejos da terra, cio da terra, a propícia estação”, pois esta nunca chegava. Não era mais possível “forjar no trigo o milagre do pão, e se fartar de pão”. Posto que a fome se tornara companheira do povo infeliz, que seguia tomado de tristeza, lastimando por sua princesa moribunda.
Como dito antes, em toda estória de princesas e cavaleiros, reviravoltas acontecem…
O rumor dos tambores da guerra se fez ouvir no horizonte. Reinos distantes se lançavam em guerras fratricidas. Se as lanças inimigas não alcançavam Bradzorden, o odor da morte invadia cada viela e o fim de toda a esperança parecia próximo. Agora, a dor não era mais estrangeira, mas companheira desde aquelas terras distantes até o reino e seu palácio.
“A princesa Demokratia sucumbiu. Está morta! O destino de Bradzorden está selado!” Com estas palavras, homens e mulheres andavam pelas vielas rasgando suas vestes e jogando pó sobre suas cabeças. Do ponto de vista daqueles viventes, não havia mais esperança. Do ponto de vista dos homens da Terra, não havia mais futuro.
Diante dos fatos narrados, entre aqueles cordeiros que ocuparam as praças e ruas próximas ao palácio, e mesmo entre os despertos que outrora conseguiam ver o que não podia ser visto, e ouvir o que não podia ser ouvido, o que mais se repetia era a cantilena tristemente entoada… Esperança onde estás? Para estes, os mais fiéis rememoravam um antigo literato Bradzordeniano, “há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho. Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!”
Um dia, as espessas nuvens que cobriam Bradzorden foram rasgadas por ventos violentos. Um poderoso facho de luz inundou a Terra deste o oriente até o ocidente e dos píncaros do céu surgiu O Rei. E neste momento todas aquelas personagens eram apenas lembranças do passado: Lucius, Lairus, Roger, Alex, Iotha, Olaph e Flatus nada mais eram. A única verdade diante dos povos foi exibida, e todos os fatos narrados, desde a conspiração perpetrada por Lucius e Ioyha, passando pelas desventuras do gentil povo de Bradzorden, chegando à carnificina fraticida das guerras, todos foram tragados no torvelinho do tempo e se apresentavam apenas como caminhos de sabedoria, para conduzir os povos a um só destino. E Demokratia não foi salva, uma vez que Demokratia não era uma princesa, era um povo. Um só povo, unido e participativo.
Para você, vivente do passado, que lê este nosso relato, saiba que para resistir ao fim de Bradzorden, à passagem de todas as coisas, será necessário ter fé. Nós que agora podemos contar a vocês esta estória, também podemos dizer uns aos outros,
“combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda”.
Bradzorden era demasiadamente pequeno para comportar os sonhos de nosso Rei. Demokratia era sábia, mas não continha em si a Justiça que Ele nos prometera. Quanto a nós, homens e mulheres sobreviventes de seus tempos, somos apenas pequenos grãos diante da infinitude D’aquele que diz Eu Sou!
Confie e resista…
“Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo”.
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. II N.º 31