Apollo “Doutrinador” Creed é um personagem da série Rocky iniciada em 1977 e que foi interpretado pelo ator norte-americano Carl Weathers. No primeiro filme da série, Rocky: Um Lutador, o personagem Apollo Creed enfrenta Rocky Balboa, interpretado por Sylvester Stallone e após 15 rounds a luta é vencida por Creed. O “Doutrinador” venceu. Outro embate ocorreu e desta vez a vitória foi de Rocky Balboa. Um dos momentos mais dramáticos da série ocorreu quando Apollo enfrentou o lutador representante da extinta União Soviética, Ivan Drago, e acabou morrendo em decorrência dos ferimentos impostos pelo lutador soviético. Este fato conduziu o enredo de Rocky IV, quando Rocky buscou vingar a morte de seu amigo Apollo, mas em verdade tudo não passou de pano de fundo para uma luta muito mais devastadora: o capitalismo norte-americano contra o socialismo soviético.
Este não é um artigo sobre cinema ou cultura pop, mas uma reflexão sobre um tema da atualidade. Ao que parece o “doutrinador” está de volta, e não nos referimos ao boxer de 1977. Desta vez os professores doutrinadores voltaram aos holofotes da mídia, algo que não se esperava após o fim do governo de Jair Bolsonaro. Quem acionou o interruptor foi ninguém menos que Eduardo Bolsonaro. Que relação poderia existir entre o “Doutrinador” do cinema e os doutrinadores da vida real (além do óbvio)? Veremos.
Em discurso proferido no último dia 9 de julho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou:
“O certo começa pela nossa família. Se nós, por exemplo, tivermos uma geração em que os pais prestem a atenção na educação dos filhos, tirem um tempo para ver o que eles estão aprendendo nas escolas, não vai ter espaço para professor doutrinador sequestrar as nossas crianças.”
Não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante que tenta sequestrar e levar os nossos filhos para o mundo do crime. Talvez até o professor doutrinador seja ainda pior, porque ele vai causar discórdia dentro da sua casa, enxergando a opressão em todo o tipo de relação. Fala que o pai oprime a mãe, a mãe oprime o filho e aquela instituição chamada família tem que ser destruída”. O ponto de vista do deputado está parcialmente correto. A atenção dos pais deveria ser dirigida aos professores, mas também à educação de modo geral, sejam livros, conteúdo das aulas, comportamentos dentro e fora do ambiente escolar, participação efetiva na vida de seus filhos, nos aspectos educacionais e emocionais, além da saúde física e mental.
A questão não se resume exclusivamente à questão da doutrinação ativa em sala, aproveitando a plateia cativa. Tanto pior nos parece a doutrinação inconsciente, efetivada por professores que, utilizando os materiais didáticos viciados que lhes são destinados, reverberam as ideias monotônicas de autores enviesados. Os primeiros, pelo espalhafato que produzem, atraem a atenção para si e muitas das vezes são forçados pelas circunstâncias a moderarem o discurso. Quanto aos últimos, apenas fazem seu trabalho e não percebem nem são percebidos quanto ao impacto de suas aulas.
Recentemente, um professor em uma aula de Sociologia precisou abordar a questão das diferenças salariais entre homens e mulheres no ambiente corporativo. Caso tivesse apenas solicitado a seus alunos uma pesquisa sobre o tema (dos mais relevantes), teria recebido trabalhos que versariam sobre o tema pedido, mas com um único ponto de vista: mulheres recebem salários menores que os pagos aos homens (ponto final). Nesse sentido, o professor solicitou a pesquisa e reforçou a necessidade de apresentarem outros pontos de vista. Algo que dificilmente algum estudante teria conseguido encontrar sem orientação isenta de partidarismos. Assim, além das ideias massificadas, o trabalho do economista Thomas Sowell foi sugerido. Sowell ousou sair da superficialidade e da frieza dos números para demonstrar as verdades, meias-verdades e mentiras presentes no regime de pensamento único do tema salarial de homens e mulheres. Mas, este é apenas um exemplo entre incontáveis outros.
Em 29 de junho deste ano de 2023, durante discurso na abertura do 26º encontro do Foro de São Paulo, o atual ocupante do poder executivo brasileiro – o ex-sindicalista Lula – admitiu publicamente o que para a maioria dos brasileiros nunca foi segredo: ele é socialista e se orgulha disso. Lula declarou o seguinte:
“Vocês sabem quantas vezes nós somos acusados. Vocês sabem quanta difamação e quantos ataques pejorativos se faz contra a esquerda na América do Sul. Nós não somos vistos pela extrema-direita fascista, nem do Brasil, nem do mundo, como organizações democráticas. Eles nos tratam como se nós fôssemos terroristas. Eles nos acusam de comunistas, achando que nós ficamos ofendidos com isso. Nós não ficamos ofendidos, nós ficaríamos ofendidos se nos chamasse de nazista, neofascista, de terrorista. Mas, de comunista, de socialista, nunca. Isso não nos ofende. Isso nos orgulha muitas vezes. E, muitas vezes, nós sabemos que merecemos esses ataques”.
Ora, quando refletimos sobre as falas de Eduardo Bolsonaro e Lula, nos parece que o Deputado não percebeu que a esquerda brasileira pouco se importa com os doutrinadores, ainda menos com os repetidores, tampouco com os detratores. Como escancarou o ocupante do Planalto, eles não se importam com denúncias ou xingamentos, antes se orgulham disso.
Na conclusão de nosso primeiro artigo para esta revista (a História é escrita pelos vencedores), publicada na edição de dezembro de 2021, alertávamos que “ocupar a presidência do Brasil é apenas ocupar um espaço, dentre tantos outros possíveis. Conquistamos o ponto mais alto, nos falta conquistar os mais importantes”. O fato é que a esquerda brasileira já controlava os pontos mais importantes em 2018 e ainda os controla. Atualmente, como complemento, eles tomaram o ponto mais alto do poder executivo, o que é diferente de ganhar uma eleição. Eduardo Bolsonaro desperdiça seu capital político com frases de efeito enquanto a esquerda se refestela com o butim.
Retornando ao universo do cinema, o que Rocky Balboa enfrentou no primeiro filme da série, era um adversário, um homem que compartilhava a mesma nacionalidade, história, cultura e idioma. Após superada a rivalidade dentro dos ringues, Apollo e Rocky acabaram por se tornar amigos. Como um aprofundamento da questão esportiva, Rocky descobriu que seu verdadeiro adversário era Ivan Drago. O soviético tirara a vida de seu amigo e representava ameaça de fato, não só ao cinturão de campeão, mas a valores que transcendiam ao mundo do esporte. A questão era também, política e ideológica.
Quando “Rocky Bolsonaro” subiu ao ringue político e investiu contra o “Professor Doutrinador” ele lutou com um personagem que compartilha a mesma nacionalidade, história, cultura e idioma. Aparentemente o deputado não consegue superar a rivalidade política e aprofundar a questão. O verdadeiro adversário não é humano, não ocupa salas de aula, é estrutural, institucional e cultural. O “Ivan Drago” que desafia cotidianamente a sociedade conservadora brasileira, tem luvas enormes produzidas no ambiente editorial. Drago conta com uma estrutura fortemente consolidada ao longo de décadas, que fortalece sua musculatura. Seus movimentos são treinados com disciplina soviética. Por outro lado, a mídia apoia e incentiva o espetáculo, o show, o circo, desviando a atenção do que realmente deve sofrer um “knock down”: o sistema educacional brasileiro viciado.
O Rocky do cinema não esperava vencer o “Doutrinador”, esperava apenas suportar os 15 rounds regulamentares (e suportou). O deputado espera vencer o “Doutrinador”, mas como outros representantes conservadores do meio político, estão a dezenas de “rounds” lutando sem vencer. Seu verdadeiro adversário é outro, mas o deputado e seus pares não o reconhecem. Assim, mesmo antes da luta do século começar, a contagem até nove já terminou e o Brasil perdeu.
Estamos sendo enviados como ovelhas no meio de lobos. Portanto, sejamos astutos como as serpentes e sem malícia como as pombas. Com fé e esperança e munidos de sabedoria poderemos vencer, mas não fantasiados como heróis e exalando empolgação. Movimentos espetaculares sempre empolgam a audiência, mas nem sempre levam à vitória final. Sabedoria Eduardo, sabedoria! Nosso adversário é outro. Se deseja saber seu nome, se chama Cultura. Lute contra a mensagem, não contra os mensageiros!
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. II N.º 32