Por Maurício Mottta
Ao longo de mais de quinze anos de atividade no magistério, pudemos conhecer e acompanhar bem de perto alguns profissionais da mais elevada estatura intelectual e com belos currículos acadêmicos, todos servidores públicos de carreira. Seres humanos de bom caráter, famílias bem estruturadas e bem quistos entre seus pares. Como alguém que, para além da atividade profissional buscava conhecer o que norteava o pensamento daqueles grupos, para melhor interação social, ouvíamos suas histórias e mentalmente desenhávamos os padrões que modelavam suas vidas e práticas pedagógicas.
Nesse exercício de conhecimento mútuo ficou claro que a ampla maioria dos colegas possuía uma orientação ideológica de esquerda, ainda que muitos deles sequer percebessem ou admitissem tal orientação. Neste ponto precisamos deixar claro que ser de esquerda, socialista ou comunista não significa necessariamente que tal pessoa seja filiada a algum partido ou ideologia de esquerda. Na verdade, pela observação concluímos que existem até mesmo aqueles que dizem detestar política, mas sua visão de mundo segue alinhada inconscientemente à esquerda.
A grande questão a ser equacionada quanto à o que estruturava as mentalidades tanto de militantes quanto dos isentos de ideologia, em sua visão de mundo e, consequentemente em suas atividades profissionais, era a peça que faltava conhecer em nossos colegas de trabalho.
Considerando que é impossível separar a prática pedagógica e aplicação de seus conteúdos e métodos, das idiossincrasias e orientações ideológicas pessoais, ou seja, crenças religiosas, alinhamentos político-ideológicos, conceitos e preconceitos que cada ser carrega em si, o que definirá uma educação isenta será a profunda consciência da responsabilidade que emana do magistério ou, a observância de leis que punam as infrações à ética profissional. Neste sentido, a defesa de escolas “sem partido” vem ao encontro dos melhores ideais de justiça, equidade e democracia na educação. Entendendo o termo “sem partido” como o ato de dar aos alunos a possibilidade de conhecer todas as vertentes ideológicas presentes no contexto sociopolítico, sem prestigiar nenhuma.
Observamos diversas vezes que colegas professores atuavam paralela e ativamente em instituições religiosas cristãs, mantendo como dissemos um alinhamento consciente ou inconsciente com as doutrinas de esquerda. Desapercebidos da incoerência da manutenção de dois princípios conflitantes entre si. Se o cristianismo e o socialismo podem em algum ponto se aproximar quanto aos fins almejados, são profundamente divergentes quanto aos meios para conquista de seus ideais e à sinceridade de seus propósitos.
Nossa reflexão pretende ter caráter pedagógico, mas em alguns momentos flertará com elementos autobiográficos.
Como numa epifania, foi possível perceber que a maneira como nossos pares se alinhavam ideologicamente, consciente ou inconscientemente, era algo que extrapolava os muros da unidade escolar. Algo que guiava suas relações sociais, econômicas e políticas. Foi no contato com uma das teorias mais conhecidas e maléficas de Karl Marx e Friedrich Engels que surgiu uma possibilidade de explicação. O Materialismo Histórico moldaria interpretações da história que, originalmente tinham caracteres político-econômicos, mas puderam posteriormente alterar até mesmo a percepção da realidade de seus adeptos. Definitivamente a ampla maioria de nossos colegas de trabalho não enxergava a realidade e os fatos da mesma maneira que tantos outros, e não se tratava apenas do tipo de veículo de informação que tivessem consultado. A questão era mais ampla.
Antes de apresentar um esboço sobre do que trata a teoria desenvolvida por Marx e Engels, aprofundaremos um pouco mais a tentativa de investigação sobre como a situação teria chegado a tal ponto. Muito se tem falado sobre o aparelhamento das universidades e o aspecto mais cruel da prática militante que é a “doutrinação ideológica”, entretanto, não é difícil perceber que nem todos os professores atuam deliberadamente promovendo doutrinação e se valendo de sua audiência cativa e liberdade de cátedra para promover suas ideologias. Assim, apontar a doutrinação como causa única seria ingenuidade. Como dissemos anteriormente, alguns nem se interessam por questões políticas e mantém-se estritamente no cumprimento de seus deveres. O que alcançaria a todos, alunos e professores, indiscriminada e inapelavelmente?
Algo em comum a todos os alunos de qualquer nível escolar em que estejam matriculados é a necessidade de consulta a livros didáticos e paradidáticos. Os livros! Agora poderemos avançar e falar efetivamente do materialismo histórico.
O Materialismo Histórico é uma teoria elaborada durante o século XIX por Karl Marx e Friedrich Engels. Tem por base a ideia de que as relações humanas e a evolução das sociedades são dirigidas pela “concepção materialista da história”, onde os valores materiais e fatores econômicos se sobrepõem a qualquer idealismo ou fatores metafísicos. Assim, o modo de produção capitalista conduziria as relações sociais e a história das sociedades. Existiria então uma constante luta de classes, resultante da desigualdade econômico-social que assolaria o proletariado e beneficiaria exclusivamente a burguesia.
Essa teoria buscava se opor e superar o “idealismo” proposto anteriormente por Hegel (Georg Wilhelm Friedrich Hegel). Para o “idealismo” as ideias determinam o mundo material, para o “materialismo histórico” o mundo material determina as ideias, ou seja, em uma interpretação bastante simplificada, o homem é produto do meio em que vive e por ele é conduzido.
A teoria de Marx e Engels viria a ser superada, mas nunca abandonada ao logo do tempo. Contradições e limitações foram observadas, mas, ainda assim, a essência de sua teoria foi trabalhada por outros autores como Antônio Gramsci e Michael Foucault.
O “materialismo histórico” ignora a influência do cristianismo e outras doutrinas filosóficas ou metafísicas na transcendência do ser humano, limitando toda a existência humana às questões materiais e de sobrevivência. Aparentemente não foi feito por Marx ou Engels qualquer teste de validação de sua teoria, experimentando-a em sociedades além da inglesa industrial do final do século XIX. Mesmo com falhas sistêmicas, a concepção materialista da história sobreviveu e chegou aos nossos tempos.
A ideia de uma luta de classes que divide a sociedade, colocando desde as situações mais triviais às mais complexas em estado contínuo de dicotomia é algo que nos foi possível observar nas escolas onde atuamos. Em alguns momentos o lado oposto assume a figura de um governante, em outros momentos de um superior hierárquico, ou em casos mais extremos a figura de colega de trabalho.
A ideologia em alguns casos se encontra tão enraizada em certos profissionais que, mesmo aqueles que praticam a fé cristã (fundamentalmente oposta aos princípios marxistas) não identificam as contradições e inconsistências gritantes entre marxismo e cristianismo. Seguem cumprindo suas funções, reproduzindo os conteúdos sem qualquer análise ou crítica de seu desempenho.
Nos foi (e ainda é) possível verificar em nossas atividades no campo do magistério que, os livros didáticos e alguns paradidáticos utilizados em nossas escolas traduzem com sutileza a teoria da luta de classes. Não é necessária uma abordagem escancaradamente marxista por parte do professorado, bastam as sutilezas para incutir nos alunos uma forma distorcida de ver as relações humanas. Como por exemplo em livros de Geografia que apresentam o universo do trabalho como um campo de exploração da força do proletariado; nos de Filosofia onde a ênfase maior é dada aos autores modernos mais alinhados à concepção materialista da vida e da história; ou em História quando tratam-se momentos como os vividos a partir de 1961, como sendo reacionarismo da extrema direita burguesa aos anseios do proletariado. Basta uma palavra para determinar a direção que o aluno em formação seguirá.
Em relação aos nossos colegas professores, especificamente os que seguem as diretrizes marxistas (consciente ou inconscientemente), relembraremos uma fala do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mal formulada pelo próprio e bastante utilizada pela mídia da época e elementos da oposição para ataca-lo: “Se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor. Então fica a angústia: se ele vai ter um nome na praça ou se ele vai dar aula a vida inteira e repetir o que os outros fazem” (FHC, 2001). Não trataremos da questão de conseguir ou não conseguir produzir, nem de ser um coitado ou não; mas é verdade que em se tratando do Brasil, os professores são reprodutores de conteúdo, guiados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e atentos à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A frase atribuída a Joseph Goebbels, “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade“ é quase profética em relação à sua aplicação didática. Óbvio que nossos livros não são feitos integralmente de mentiras, mas reproduzem a visão de mundo que interessa a seus idealizadores. Verdades apresentadas em conjunto com distorções ou falsidades, tornam o professor um reprodutor e o aluno ainda sem condições adequadas de discernimento, instrumento perfeito para a manutenção do status quod da perversão didática.
Se nos fosse possível sugerir aos pais e tutores algo de útil ao Brasil, diríamos: leiam os livros de seus filhos e tutelados, busquem conhecer seus professores, e não apenas os diretores e orientadores nas reuniões de pais. Conheçam o que e quem forma suas crianças e adolescentes. Como dissemos antes, em grande parte são excelentes profissionais e seres humanos, mas podem estar reproduzindo fundamentos funestos ao futuro de seus filhos e do país.
Por fim, lembrando o saudoso professor Olavo de Carvalho, que mais uma vez tem razão: “de nada adianta ter a Presidência sem ter quadros, sem ter o domínio das instituições”. Assim, o materialismo histórico, que é também a visão materialista da vida, segue espalhando seus erros pelo mundo e, apoiado pela reprodução irrefletida, mantém pessoas de grande valor, escravas do mundo e de seus “donos”.