Os combates ideológicos nas redes sociais, o novo campo de batalhas da contemporaneidade, tem mostrado muito claramente as falhas de estratégia do que entendemos como “movimento conservador”. Vivemos possivelmente uma guerra de guerrilhas, onde o adversário lança-bombas incendiárias todos os dias, obrigando os bravos soldados a atuarem como bombeiros. A consequência disso é que os avanços são menos consistentes do que poderíamos esperar. Mesmo diante das acachapantes motociatas, dos números expressivos de seguidores dos influencers de direita, da empolgação provocada pelas falas de Jair Bolsonaro no “cercadinho”, em geral assistimos cada “incêndio” ser debelado e suspiramos aliviados a cada narrativa e notícia falsa derrubada.
Temos sido reativos, assim como nossos representantes nas casas legislativas, que precisam empregar material humano de seus gabinetes e muito tempo útil em defesas, que apesar de resultarem na vitória da verdade, os obrigam a adiar a apresentação de novas propostas e articular eficientemente uma base parlamentar mais compacta e proativa.
Os números de 2018 ainda rondam algumas mentes: Bolsonaro teve 39% dos votos dos eleitores habilitados, Haddad teve 32%, brancos, nulos e abstenções totalizaram 29%. Ainda que existam suspeitas quanto aos números de votos recebidos de parte a parte, o que poderia ter dado a Bolsonaro a vitória ainda em primeiro turno, os não votantes são visíveis demais para serem ignorados. Aproximadamente 62 milhões de eleitores disseram não aos dois lados ou, estavam tão desiludidos que sequer deixaram seus lares para votar. 62 milhões é um número tão expressivo que qualquer pensamento de “já ganhou” seria considerado algo como suicídio eleitoral.
É sobre a perda de tempo envolvida nas defesas em redes sociais (algumas apaixonadas), que nos paralisam a marcha na direção dos 62 milhões de indecisos que queremos refletir. Mas afinal, onde queremos chegar? Não dizemos que defender o justo e o certo sejam atitudes erradas, mas o desperdício de tempo com o eleitorado de esquerda, este sim pode ser inútil, pois aparentemente não mudaram nem mudarão de lado, mesmo em face da verdade. São visões de mundo diametralmente opostas, que produzem natimortos eleitorais. O professor Olavo de Carvalho já alertava, se referindo à questão dos debates e foi preciso quando disse:
“Essa situação do debate é definida sobretudo pela pessoa do adversário, quer dizer, o que que ele está procurando no debate, qual é o objetivo dele e como você deve tratá-lo. Aristóteles já recomendava, quer dizer, foi o sujeito que melhor equacionou as regras da confrontação de provas. Ele dizia que não se deve discutir jamais com quem não conhece ou quem não respeita as regras da prova. Então isto fica como um preceito universal”.
Em relação aos indecisos ou desiludidos, estes sim, devem nos interessar, mas não com memes ou ‘contra-memes’, mas com educação, informação e estratégia. Assim, voltemos ao início do século V a.C. para conhecer algo sobre uma guerra em particular e seu paradigma.
As estratégias de batalha campal, de modo geral consistiam no enfrentamento homem a homem de modo quase caótico. A vitória e a glória em um campo de batalha eram possíveis ao exército com maior número de soldados, assim, a frieza dos números importava muito quando era necessário decidir entre lutar ou aceitar uma desonrosa rendição. Por outro lado, o valor individual de alguns soldados também era importante. Bravura, força física e uma boa espada ou lança poderiam fazer a balança do destino pender favoravelmente para o lado de um exército menor. O paradigma das guerras mudou definitivamente no final daquele século e influenciou a mente de muitos generais a partir de então.
As Guerras Médicas puseram em confronto dois adversários com características expansionistas: Grécia e o império Persa ou Medo-Persa (este último na região onde hoje se localiza o Irã). O controle da Jônia, região pertencente à Turquia atualmente, e em especial da cidade de Mileto, dariam aos vitoriosos o controle de importantes rotas comerciais terrestres e abriria portas para o controle do comércio via Mar Egeu, Estreito de Bósforo e finalmente o Mar Negro. Mais que uma questão de expansionismo militar, era antes de tudo uma luta pela subsistência dos povos da Grécia e Pérsia.
O poderoso reino Persa do rei Dario I, sob o comando do general Mardônio, avançou em direção a Jônia, tendo recuperado Trácia e Macedônia onde diversas rebeliões punham em risco o controle estratégico daquelas regiões. Em 490 a.C. uma segunda campanha, pelo mar Egeu já sob o comando de Dátis e Artafernes, o império persa seguiu a retomada de controle e visava atacar Atenas. A defesa a este ataque impediu, ainda que temporariamente, a vitória persa sobre Atenas. Na famosa Batalha de Maratona o exército grego comandado pelo general Milciades, conseguiu vencer os persas que se encontravam em ampla vantagem. Segundo alguns historiadores as forças gregas contariam com 10 a 15 mil homens enquanto os persas somavam mais de 20 mil homens quando desembarcaram na Baía de Maratona. Algumas fontes chegam a indicar os persas com forças que chegariam a 50 mil homens.
A desproporção entre as forças gregas e persas deixava óbvio que, em um combate corpo a corpo, homem a homem, os persas venceriam com facilidade. Entretanto uma nova estratégia foi utilizada e mudou completamente o cenário: a infantaria com formação em falanges. Com organização compacta, cercada e protegida por escudos intercalados por longas lanças, os soldados persas não conseguiam usar sua cavalaria, não tinham chance de se aproximar em função das longas lanças, suas espadas curtas eram inviáveis e assim, foram forçados a recuar até a praia onde desembarcaram. Os persas foram vencidos, mas de uma maneira completamente inesperada. A organização compacta, treinada, disciplinada e persistente era a novidade.
Vencida a batalha, Milcíades envia Fidípides de volta a Atenas para comunicar a vitória. Aproximadamente 42 quilômetros de distância, em uma corrida heroica e ao mesmo tempo dramática. Segundo consta, Fidípides cumpre sua missão informando: “alegrai-vos atenienses, nós vencemos!” e desaba morto pelo esforço. Verdade, mito romantizado? Não sabemos. O fato é que o suposto esforço de Fidípides inspirou uma das provas olímpicas mais difíceis, a maratona.
Neste ponto as histórias se articulam. Entre os eleitores convictos de Bolsonaro e os 62 milhões de indecisos, existe uma turba enfurecida de militantes que como dissemos, utiliza da estratégia de guerrilha como fake news, distorções, memes e vídeos depreciativos que tiram o foco e a atenção do “movimento conservador”. Como podemos chamar “movimento” algo que ainda se assemelha aos combates corpo a corpo da antiguidade, dispersos e caóticos? Somos atacados individualmente a cada notícia e memes recebidos, tantas vezes perdemos o equilíbrio emocional, desperdiçamos energias respondendo, buscando convencer quem não quer ser convencido. Outras tantas vezes escorregamos em notícias plantadas entre nós que, por mais absurdas que possam parecer, soam como música aos nossos ouvidos. Compartilhamos e em seguida somos rotulados de veiculadores de notícias falsas por agências de checagem de fatos (agências impossíveis de serem checadas). Enquanto tudo isso acontece, o tempo passa, as eleições se aproximam e ainda comemoramos os mais de 57 milhões de votos recebidos.
Queira Deus que as palavras ora dirigidas ao eleitorado bolsonarista sejam apenas excesso de zelo. Todavia, nunca é demais estimular a criação de grupos sérios de estudos das atividades de deputados e senadores, elencar suas propostas, seus votos e associações. Os postulantes a novas cadeiras na “casa do povo”, devem também ser alvo de nossa atenção, para evitar os erros e enganos cometidos em 2018. Tão importante quanto reeleger Bolsonaro é formar uma maioria sólida e encouraçada no Congresso, que nos livre da necessidade de governar apoiados pelo chamado ‘centrão’, políticos mercenários que via de regra apoiam a si mesmos enquanto cedem apoio àqueles que ocupam o poder.
Falanges formadas nas câmaras em nível Federal, nos estados e municípios, além do Senado e no Supremo, somadas a uma base de eleitores informada, consciente e participativa, darão os instrumentos que Bolsonaro não tem atualmente para governar dentro das quatro linhas da Constituição, conforme ele sempre defende. As eleições legislativas são o fundamento para um governo conservador bem-sucedido.
Para vencer verdadeiramente a nossa maratona, nossa infantaria precisa ganhar corpo e formar falanges compactas. A educação, pautada nos princípios e valores clássicos é o nosso escudo, nosso exemplo cotidiano daquilo que defendemos é a nossa lança mais longa, a verdade fere mais que mil flechas inimigas. Ainda que a morte seja o louro da vitória daqueles que correm para anunciar a vitória de um povo, a liberdade é o nosso prêmio final mais desejado.
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. I N.º 09