O cristianismo foi um grande marco para o Ocidente mudar sua perspectiva de visão de mundo. Obviamente, foi um marco do ponto de vista histórico, uma vez que a nossa história é contada de a.c. (antes de Cristo) ou d.c. (depois de Cristo). Mas pensando do ponto de vista como sociedade, vale destacar, se antes era seguido o “dente por dente e olho por olho”, agora com a história “revolucionária” de Jesus Cristo a visão de mundo passou a ser “se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra.” (Mt 5, 39).
De fato, para uma sociedade que acreditava que o mal devia ser “pago na mesma moeda”, surgir um homem com o discurso
“se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mt 19, 21)
e que a história conta que foi crucificado por ter incomodado alguns com suas falas, convenhamos é algo bem “revolucionário”. De acordo com o dicionário Oxford, revolucionário se caracteriza por algo inovador, original, ousado e que possibilita renovar os padrões estabelecidos. Sem dúvidas, Jesus Cristo foi tudo isso.
Nesse momento preciso realizar uma imersão sobre alguns acontecimentos relacionados com a Igreja Católica e o comunismo. Apesar do Manifesto Comunista ter sido escrito em 1848 por Marx e Engels, no ano de 1846, o Papa da Igreja Católica ocidental, Pio IX, na Encíclica Qui pluribus condena veementemente:
“Para aqui (tende) essa doutrina nefanda do chamado comunismo, sumamente contrária ao próprio direito natural, a qual, uma vez admitida, levaria à subversão radical dos direitos, das coisas, das propriedades de todos e da própria sociedade humana” (Encíclica Qui pluribus, 9 de novembro de 1846: Acta Pii IX, vol. I, pág. 13. Cf. Sílabo, IV: A.A.S., vol. III, pág. 170).
Mais tarde, o Papa Leão XIII, na sua Encíclica Quod Apostolici muneris (28 de dezembro de 1878: Acta Leonis XIII, vol. I, pág. 40), assim descreve:
“Peste mortífera, que invade a medula da sociedade humana e a conduz a um perigo extremo”.
Foram inúmeras denúncias realizadas durante o Pontificado de Pio XI. Após visita à Rússia, em 1924, foi realizada uma alocução especial dirigida ao universo católico (18 de dezembro de 1924: A.A.S., vol. XVI (1924), págs. 494-495), onde eram condenados os erros nefastos da ideologia marxista sob o mundo. Posteriormente, surgiram as Encíclicas Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928: A.A.S., vol. XX (1928), págs. 165-178), Quadragesimo Anno (15 de maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), págs. 177-228), Caritate Christi (3 de maio de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 177-194), Acerba animi (29 de setembro de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 321-332), Dilectissima Nobis (3 de junho de 1933: A.A.S., vol. XXV (1933), págs. 261-274), em forma de protesto contra as perseguições aos cristãos na Rússia, no México e Espanha.
Avançamos para 19 de março de 1937, o Papa permanece Pio XI, são dois anos antes da declaração para a Segunda Guerra Mundial e os caminhos incertos que a humanidade traça despertam uma preocupação que resultam na Encíclica Divinis Redemptoris: sobre o Comunismo Ateu.
Mas porque essa “implicância” tão grande da Igreja Católica com o marxismo? Segundo Karl Marx, “a religião é o ópio do povo”. Então, não é de se estranhar porque a Igreja Católica e comunismo tenham sido inimigos. Poderíamos dizer que todo bom observador facilmente “adivinharia” até onde esses ideais pretendiam se adentrar.
A verdade é que o comunismo misturado aos valores cristãos é bem tentador. Uma vez que Jesus Cristo trazia um simbolismo que misturava fraternidade, partilha, justiça e caridade; um cristão se deparar com uma ideologia que prega uma sociedade igualitária é realmente uma promessa fascinante.
Pensando sobre essa perspectiva, não faltarão acusações de que o Vaticano não quer perder “seu poder sob o povo”. Ou ainda, alegações de que a Igreja Católica não deseja a igualdade, a fraternidade e a liberdade do povo. Contudo, para conseguir entender os motivos para que a Igreja Católica lutasse tão fielmente contra essa ideologia é necessário compreender primeiro o que o comunismo prega e busca. Neste momento para não ficar extenso resumirei o comunismo em uma palavra: materialismo.
Quando nossa fé é reduzida ao materialismo do comunismo, relativizamos toda a existência divina de Jesus. Por exemplo, deixamos de acreditar em seus milagres: transformação de água em vinho, multiplicação dos pães e peixes, o andar sobre as águas, as inúmeras curas e até mesmo na Ressurreição. Nesta linha de pensamento menosprezamos a nossa existência apenas ao agora e ao mundo terreno e eliminamos a possibilidade de um mundo que nos transcende. Toda a vida de Jesus passa a ser compreendida como metáforas, como mero simbolismo, uma espécie de não foi bem assim que aconteceu… Mas isso é uma enorme heresia. Vejamos o que o Papa Pio XI narra sobre o materialismo marxista na Encíclica Divinis Redemptoris:
“Essa doutrina proclama que não há mais que uma só realidade universal, a matéria, formada por forças cegas e ocultas, que, através da sua evolução natural, se vai transformando em planta, em animal, em homem. Do mesmo modo, a sociedade humana, dizem, não é outra coisa mais do que uma aparência ou forma da matéria, que vai evolucionando, como fica dito, e por uma necessidade inelutável e um perpétuo conflito de forças, vai pendendo para a síntese final: uma sociedade sem classes. É, pois, evidente que neste sistema não há lugar sequer para a ideia de Deus; é evidente que entre espírito e matéria, entre alma e corpo não há diferença alguma; que a alma não sobrevive depois da morte, nem há outra vida depois desta. Além disso, os comunistas, insistindo no método dialético do seu materialismo, pretendem que o conflito, a que acima Nos referimos, o qual levará a natureza à síntese final, pode ser acelerado pelos homens. É por isso que se esforçam por tornarem mais agudos os antagonismos que surgem entre as várias classes, da sociedade, porfiando porque a luta de classes, tão cheia, infelizmente, de ódios e de ruínas, tome o aspecto de uma guerra santa em prol do progresso da humanidade; e até mesmo, porque todas as barreiras que se opõem a essas sistemáticas violências, sejam completamente destruídas, como inimigas do gênero humano.”
Em 1968 acontece a Conferência de Medellín, na Colômbia, como consequência histórica do Concílio do Vaticano II e da I Conferência Geral do Episcopado Latino-americano. Dentro da realidade da América Latina estamos passando pelo auge dos regimes militares e maiores envolvimentos pastorais para as questões sociais. A Igreja Católica aumenta o discurso de “preferência pelos pobres”.
Nesta altura, a América Latina já se encontra mergulhada na doutrina da Teologia da Libertação. Com marco histórico para início da década de 60, a chamada Teologia da Libertação é considerada fundada pelo padre peruano Gustavo Gutiérrez Merino e consultor teológico da Conferência de Medellín.
No ano de 1971, publicou o livro “Teología de la liberación. Perspectivas”. No Brasil, essa linha de pensamento surge defendida pelo filósofo Leonardo Boff conhecido pela frase “todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Frase mencionada no artigo anterior e que apresenta muito claramente como os adeptos da TL tendem a materializar e racionalizar sua perspectiva de vida ao que chamaríamos literalmente de “ao pé da letra”.
Em 18 de março de 1984, o cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Emérito Bento XVI, mas na época assessor do Papa João Paulo II, enquanto prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, esclarece alguns pontos acerca da Teologia da Libertação. Apesar de apresentar tópicos que se encontram com a fé cristã dentro da chamada Doutrina Social da Igreja Católica, apresenta que quando se mergulha a fé dentro do materialismo do comunismo se desconstrói a hermenêutica da história da Salvação, desmerecendo a divindade de Jesus.
Em 1991, o Papa João Paulo II, na Encíclica “Centesimus Annus” afirma o seguinte:
“Aprofundando agora a reflexão delineada, e fazendo ainda referência ao que foi dito nas Encíclicas Laborem exercens e Sollicitudo rei socialis, é preciso acrescentar que o erro fundamental do socialismo é de carácter antropológico. (…)O homem é reduzido a uma série de relações sociais, e desaparece o conceito de pessoa como sujeito autónomo de decisão moral, que constrói, através dessa decisão, o ordenamento social. (…) No fim da II Guerra Mundial, porém, um tal desenvolvimento está ainda em formação nas consciências, e o dado mais saliente é o estender-se do totalitarismo comunista sobre mais de metade da Europa e parte do mundo. (…)Dada a situação, a muitos parece que o comunismo poderia oferecer como que um atalho para a edificação da Nação e do Estado, e nascem, por isso, diversas variantes do socialismo com um carácter nacional específico.”
Neste ponto, daremos um salto para os dias atuais. É notável perceber que durante muitos anos o Catolicismo foi antagônico aos ideais marxistas. Contudo, se fizermos uma reflexão das últimas décadas não será difícil notar como a Teologia da Libertação invadiu o clero, em especial, na América Latina. Alguns ousam em afirmar que o cristianismo primitivo é uma espécie de comunismo utópico. Na verdade, o alemão Marx não criou conceitos novos mas se apossou de ideias de antigos filósofos. Não seria nenhum absurdo insinuar que talvez ele tenha se aproveitado de algumas concepções cristãs para alcançar o coração do povo.
Esse assunto é extenso e cabem muitas reflexões. Talvez até mesmo lamentações. É fato que a Teologia da Libertação é o famoso “lobo em pele de cordeiro”. É triste se deparar com uma ideologia tão nefasta, como o comunismo, e constatar que conseguiu terreno tão fértil no seio do Catolicismo. É ainda mais triste se deparar com pastores que ao invés de contribuir para a Salvação do Povo se permitiram seduzir por este discurso e estejam levando o povo ao verdadeiro abismo. Não é à toa que houveram tantas aparições de Nossa Senhora alertando: “Se atenderem os meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz. Se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja”.
Entretanto, para esta edição vou me limitar apenas a estes parágrafos, continuaremos as meditações sobre este tema nas edições seguintes. Até breve.
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. II N.º 28