José Bonifácio, O Patriarca

José Bonifácio, O Patriarca

O ano de 2022 é de crucial importância para a história do Brasil. Como sabemos, este ano teremos eleições para os poderes executivos de estados e em nível federal, além da reconfiguração das cadeiras das casas legislativas (câmaras e um terço do Senado Federal). Esta eleição poderá representar também, mudanças significativas na composição da instância máxima do Poder Judiciário. Como não bastassem tantos elementos importantes, 2022 é também o ano do bicentenário da Independência do Brasil.

Em 1822 o Brasil contava com nomes exemplares que são a base e o fundamento da construção de um país que hoje buscamos preservar: D. Pedro I, D. Leopoldina da Áustria e, por último, mas não menos importante, José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência. Homem que com todos os méritos ocupa com destaque merecido, posição importante nas histórias do Brasil e de Portugal. Esta figura ímpar na lista de heróis nacionais do Panteão da Pátria é o tema deste primeiro artigo preparatório à comemoração do bicentenário da independência.

Nascido em Santos, São Paulo, no dia 13 de junho de 1763, sendo filho de Bonifácio José Ribeiro de Andrada e Maria Barbara da Silva, José Bonifácio contou com a formação possível a um jovem em Santos, mas em 1777 precisou ser direcionado a São Paulo para a conclusão de seus estudos básicos, onde estudou gramática, lógica e retórica (Trivium). Aos dezoito anos foi enviado a continuar seus estudos em Portugal, devido às políticas de Estado da Coroa portuguesa, que não concedia cartas régias que permitissem a abertura de cursos superiores no Brasil. Seu destino foi a Universidade de Coimbra, onde dois de seus tios já haviam se formado e que proporcionaria as condições necessárias para o desabrochar de suas potencialidades.

Na Universidade de Coimbra matriculou-se em dois cursos simultaneamente, o curso de Direito Canônico e o curso de Filosofia Natural. Em 1787 conclui o bacharelado no curso de Filosofia Natural e no ano seguinte consegue seu segundo bacharelado em Direito.

Em 1789 alcançou feitos memoráveis, pois habilitou-se à magistratura e associou-se a Academia de Ciências de Lisboa. Naquele mesmo ano é convidado a integrar missão de estudos que se efetivou em 1790, a qual iniciou pela França e avançou em suas pesquisas nas ciências de química, geologia, mineralogia e metalurgia, quando viajou à Itália, Áustria, Hungria e Alemanha, fixando-se por aproximadamente dez anos em Freiburg. O interesse daquela missão era o de aprofundar os conhecimentos nos estudos minerais, o que proporcionaria muitos avanços às ciências em Portugal, e consequentemente riquezas.

A segunda metade do século XVIII foi um momento de efervescência de ideias na Europa. O conhecido século das luzes influenciou os jovens estudantes daquele período e teve impactos diretos no processo de independência americana e na Revolução Francesa. Bonifácio não estaria imune àquelas ideias. Seu período inicial na França possibilitou testemunhar os eventos revolucionários e parte do morticínio parisiense. A experiência dramática, somada às ideias que cultivava no terreno do Iluminismo, fez de Bonifácio um iluminado diferenciado. Sem o fetiche racionalista anticlerical, mas atento às questões sociais, acrescido de uma profunda formação filosófica clássica, fez dele um homem preparado para os desafios que enfrentaria em seu futuro.

Em 1800, tendo retornado a Portugal, é criada a cadeira de metalurgia na Universidade de Coimbra, especificamente para aproveitar seus conhecimentos acumulados. Foi também nomeado intendente-geral das Minas e Metais do Reino, diretor das Casas da Moeda, Minas e Bosques e membro do Tribunal de Minas. Mesmo sob tantas responsabilidades, foi chamado a se ocupar com a gestão do plantio de pinhais, no que ele pôde demonstrar uma preocupação bastante precoce com a integração do homem ao meio natural. Fato que ele já havia demonstrado anos antes ao apresentar seu estudo intitulado “Memória sobre a Pesca das Baleias”, para acesso à Academia de Ciências de Lisboa. Naquele trabalho dizia ele:

É que o meu interesse é pôr aos olhos dos que podem emendar os abusos, a perda que anualmente recebe esta pescaria, já pelo mau método de pescar as baleias, já pelo péssimo fabrico do azeite extraído. É fora de toda a dúvida que matando-se os baleotes de mama, venha diminuir-se a geração futura, pois que as baleias por uma dessas sábias leis da economia geral da natureza, só parem de dois em dois anos um único filho, morto o qual, perecem com ele todos os seus descendentes”. Anos mais tarde ele acrescentou às suas ideias a seguinte observação: “Sem matas, quem chupará dos mares, dos rios e lagoas os vapores que dissolvidos e sustentados na atmosfera caem em chuva e em parte decompostos em gases, vão purificar o ar e alimentar a respiração dos animais? Quem absorverá o gás ácido carbônico que deles expiram, e soltará outra vez o oxigênio que aviventa o sangue e que sustenta a vida?”.

A partir de 1808 comandou forças de resistência às invasões francesas sob Napoleão, quando buscava defender a cidade de Coimbra, somando mais uma competência às muitas habilidades que já possuía. Seu antigo sonho de retornar à terra natal só pôde se realizar em 1819, quando já era Secretário Perpétuo da Academia Real de Ciências de Lisboa e, em seu discurso de despedida dos membros daquela entidade anunciou:

É esta, ilustres acadêmicos, a derradeira vez que tenho a honra de ser o historiador de vossas tarefas literárias e patrióticas, pois é forçoso deixar o antigo que me adotou por filho para ir habitar o novo Portugal onde nasci. Depois que deixei na adolescência a amena província de São Paulo e me acolhi à Lusitânia, que meiga me recebeu em seus hospedeiros braços, trinta e seis anos são passados”.

Em 1820 já no Brasil, e após algumas incursões de pesquisa por São Paulo, José Bonifácio foi nomeado Conselheiro por D. João VI. Aqueles foram dias agitados para o Brasil e em especial para Bonifácio. Em 1821 a Revolução Liberal do Porto impunha o regresso do rei a Portugal, mas também abria as portas da participação da família Andrada na política nacional. Antônio Carlos era Deputado, Martim Francisco era Secretário de Estado, ambos eram irmãos de Bonifácio, que ocupava então a posição de vice-presidente da província de São Paulo (cargo hoje equivalente ao de vice-governador).

Em carta aos deputados brasileiros que defenderiam os interesses nacionais frente às cortes portuguesas, Bonifácio mais uma vez demonstrou o quanto estava adiantado em relação à visão de um Estado que sequer existia de fato:

Que se cuidem legislar sobre a catequização e civilização geral e progressiva dos índios bravos que vagueiam pelas matas, e sobre melhorar a sorte dos escravos, favorecendo a sua emancipação gradual”.

Reivindicava também a criação de escolas e de uma universidade para o Brasil (em São Paulo). Defendia o Brasil unido, formado por suas províncias e governado por um governo geral (brasileiro). Aquelas eram ideias diametralmente opostas às pretendidas pelos pares portugueses.

Coube também a Bonifácio o pedido feito a D. Pedro para que este não atendesse à determinação vinda de Lisboa, que impunha seu retorno a Portugal. Em atenção àquele pedido D. Pedro proferiu a célebre frase,

Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto, digam ao povo que fico!”.

Convidado por D. Pedro a ocupar o cargo de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, Bonifacio foi testemunha e partícipe dos eventos que culminaram com as mensagens escritas por D. Leopoldina e por ele mesmo, onde D. Pedro era informado sobre o envio de tropas vindas de Lisboa para conduzi-lo de volta a Portugal. Era chegado o momento, o sentimento estava amadurecido e Bonifacio sabia disso. Liberdade!

Apesar das sugestões de D. Leopoldina para que D. Pedro I ouvisse os conselhos de Bonifácio, a relação entre ambos não poderia perdurar. Em razão do caráter impetuoso e quase autocrata do novo imperador, em 1823 Bonifácio se vê obrigado a renunciar ao cargo de Ministro. As diferenças de visão quanto à maneira de governar, a oposição de seus adversários políticos e até mesmo as posturas pouco ortodoxas no que tange ao comportamento sexual do imperador, inviabilizaram a continuidade de seu ministério. Com isso, a participação política do grande arquiteto da independência foi posta em compasso de espera. Espera de novos movimentos da história que mais uma vez trariam ao centro do poder aquele que muito ainda havia de oferecer ao Brasil.

Em 1831, somadas as crises internas em virtude de sua gestão, e a crise sucessória em Portugal após a morte de D. João VI, D. Pedro I abdicou do trono nos seguintes termos:

“Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que, hei mui voluntariamente, abdicado na pessoa do meu muito amado e prezado filho, o sr. D. Pedro de Alcantara”.

Com apenas cinco anos de idade, o futuro imperador necessitava de uma condução que o preparasse para a dimensão da responsabilidade que, em sua tenra infância, sequer suspeitava. Ainda que as diferenças políticas tivessem afastado D. Pedro I de seu antigo conselheiro e amigo, não haveria ninguém com mais preparo, habilidade e caráter ilibado para receber a honrosa tarefa de guiar o pequeno e majestoso pupilo.

Apenas dois anos durou a tutoria de Bonifácio junto ao menino Pedro II. Em 1833 mais uma vez seus adversários políticos buscaram afastá-lo do cargo e da possível influência que poderia impor ao futuro imperador.

José Bonifácio afastou-se de vez da política, ao que parece decepcionado com a pequenez de espírito já vigente no seio da política nacional àquela época, mas é certo que buscava naquele momento em que já se via maduro, realizar seu singelo desejo confidenciado em 1806 ao conde de Linhares:

Estou doente, aflito e cansado e não posso com tantos dissabores e desleixos. Logo que acabe meu tempo em Coimbra e obtenha a minha jubilação, vou deitar-me aos pés de S.A.R.(Sua Alteza Real) para que me deixe acabar o resto dos meus cansados dias nos sertões do Brasil, a cultivar o que é meu”.

Assim foi! A singela Ilha dos Amores (atualmente Paquetá), na graciosa Baía da Guanabara no Rio de Janeiro, foi o retiro escolhido por um dos maiores brasileiros que esta Nação viu nascer. Em Paquetá, em uma casa simples, diante da grandeza de seu morador, José Bonifácio de Andrada e Silva encerrava em 6 de abril de 1838 sua passagem por este mundo, deixando como legado a sua história e um país que, se existe hoje tal qual conhecemos, se deve em seus fundamentos à sua valiosa contribuição.

O Brasil de 2022 se assemelha ao de 1822, empenhando sua liberdade aos homens de honra que juraram defendê-lo, vê-se ameaçado por forças inimigas que querem reduzi-lo à servidão, mas com Deus e por Sua misericórdia, venceremos!

Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. I N.º 15

Sobre o autor

Mauricio Motta

Mauricio Motta - Professor licenciado em História Pós-graduado em História do Brasil e colunista na Revista Conhecimento & Cidadania.

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BIOGRAFIA

Leandro Costa

Servidor público, advogado impedido, professor de Direito, Diretor Acadêmico do projeto Direito nas Escolas e editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania.

Defensor de uma sociedade rica em valores, acredito que o Brasil despertou e luta para sair da lama vermelha que tentou nos engolir. Sob às bênçãos de Deus defenderemos nossa pátria, família e liberdade, tendo como arma a verdade.

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