O mito de Palmares

O mito de Palmares

O Quilombo dos Palmares surgiu como uma comunidade formada por escravizados fugitivos que rejeitaram viver sob as normas da sociedade colonial brasileira. Localizado em uma região de difícil acesso nas serras da Zona da Mata de Alagoas e Pernambuco, o quilombo desafiava as leis e a ordem estabelecidas.

Ao invés de buscar uma integração na sociedade da época, os quilombolas optaram por formar uma sociedade isolada, desafiando as autoridades legítimas. Essa escolha resultou em conflitos e disputas com as forças coloniais, que visavam manter a ordem e a segurança do território.

Os agrupamentos quilombolas em Palmares começam a ganhar destaque e despertar maior interesse das forças coloniais sob a liderança de Ganga Zumba, cujo nome significa “grande senhor” em quimbundo. Ganga Zumba desempenhou um papel crucial na fundação e consolidação do Quilombo dos Palmares. Ele liderou os quilombolas na busca por um acordo com as autoridades coloniais. Em 1678, Ganga Zumba estabeleceu a “Paz de Palmares”, um acordo que buscava garantir a liberdade dos habitantes do quilombo em troca de aceitar restrições e submissão às autoridades coloniais, o que sob certo ponto de vista os igualaria aos nativos da terra.

No entanto, essa aliança revelou-se insustentável a longo prazo. A comunidade quilombola, diversa e composta por pessoas que buscavam liberdade plena, viu em Zumbi dos Palmares uma voz discordante. Zumbi, sobrinho de Ganga Zumba, acreditava na resistência intransigente contra a escravidão e na preservação da autonomia do Quilombo dos Palmares. A cisão entre Zumbi e Ganga Zumba culminou na ascensão de Zumbi ao poder após o envenenamento de Ganga Zumba em 1694 por aqueles que não compartilhavam de sua visão de compromisso. Questão que abre lacunas importantes quanto à autoria do fato e suspeitas sobre seu beneficiário imediato. Mas, em face da precariedade das fontes primárias, apelaremos ao princípio “in dubio pro reo”.

Com Zumbi como líder, o Quilombo dos Palmares tornou-se um foco reacionário e apresentou-se como opositor ao sistema colonial. Zumbi rejeitou os termos da “Paz de Palmares” e liderou os quilombolas contra as forças coloniais, tornando Palmares quase inexpugnável devido à estratégia de guerrilha e à geografia do território quilombola.

Zumbi dos Palmares é muitas vezes enaltecido como um herói e símbolo da resistência à escravidão, apesar das fontes primárias serem raras e tratarem mais das negociações e sobre os resultados práticos dos enfrentamentos. Contudo, é essencial avaliar melhor as narrativas. Zumbi liderava um grupo que rejeitava a ordem estabelecida, utilizando a violência para preservar uma liberdade subjetiva. Mas é possível afirmar que ele fosse uma liderança amplamente aceita pelos quilombolas? Definitivamente não!

Enquanto os escravizados, sob a liderança de Ganga Zumba, aparentemente buscavam o atendimento de seus interesses também pela via da negociação, o quilombo de Palmares sob Zumbi, se opunha a qualquer forma de negociação ou integração com as autoridades coloniais, evidenciando um desejo de escapar à lei e rejeitar soluções pacíficas.

A construção do mito em torno de Zumbi dos Palmares também é resultado da manipulação dos fatos históricos por interesses políticos e ideológicos. A figura de Zumbi foi romantizada, mas é importante questionar se essa visão ao menos se aproxima de algo justo e equilibrado, baseado no fato de que sem evidências qualquer relato histórico não passa de mera narrativa.

As narrativas que exaltam Zumbi e seu quilombo têm se refletido com frutos ideológicos que buscam enfatizar o conflito e a luta contra o sistema, ignorando os esforços legítimos das forças coloniais para manter a segurança do território e o desenvolvimento civilizacional no Brasil. Paralelamente, ignoram também a figura de Ganga Zumba, visto por alguns setores como um mero cooptado do sistema colonial.

Uma análise conservadora da figura de Zumbi dos Palmares permite questionar o mito ao seu redor. Enaltecê-lo como um herói da resistência pode ignorar aspectos mais complexos da história, desconsiderando a necessidade de equilíbrio entre o respeito à lei e a busca por mudanças sociais legítimas.

É fundamental analisar a história de forma crítica, mas imparcial, evitando armadilhas narrativas ideológicas e políticas. Reconhecer a importância da luta pela liberdade é necessário, mas também é importante manter o foco nos meios utilizados além de considerar os princípios que devem guiar nossa sociedade. Como exemplo desta reflexão, podemos nos remeter às lutas empreendidas na Palestina, onde os meios mais sórdidos são aplicados, visando um fim que em si é legítimo.

Zumbi dos Palmares é celebrado pelos movimentos identitários nacionais, que se apresentam como representantes chancelados dos afro-brasileiros na atualidade. É relembrado como um dos líderes do maior quilombo da colonização brasileira, resistindo a expedições portuguesas e holandesas no século XVII. Seu legado é marcado por debates sobre sua liderança e estratégias, mas sua figura persiste como ícone da luta contra a escravidão e do legado da população negra no Brasil. A história de Zumbi e do Quilombo dos Palmares contribui para a construção da narrativa histórica da resistência à opressão e busca pela liberdade. Zumbi é o personagem perfeito: possui biografia vaga e história precariamente descrita, assim, tem funcionado como um panfleto ideológico e identitário, aberto à recepção das virtudes da raça, e das lutas política atemporais. É importante destacar que não estamos apresentando oposição a qualquer pleito da sociedade afro-brasileira, mas buscando denunciar o uso de um personagem histórico tão vazio de evidências e tão farto em possibilidades de narrativas.

Quando buscamos fazer uma análise transversal entre o quilombo de Palmares e o socialismo, destacam-se elementos que conectam esses contextos distintos, revelando semelhanças e diferenças. Ambos compartilham a ideia de comunalidade e coletivismo, supostamente desafiando estruturas hierárquicas opressivas e levantando a bandeira da igualdade. No entanto, Palmares e o socialismo enfrentaram desafios na implementação dessas ideias, visto que em ambos os casos o alcance dos fins pelo uso da força, subjugando as diferenças naturais entre os seres humanos, resulta necessariamente em crises, conflitos e por fim no fracasso.

Uma análise séria da figura de Zumbi dos Palmares revela complexidades na estrutura social do quilombo pois deve questionar o apoio orgânico à sua liderança. A crítica à sociedade de Palmares e à liderança de Zumbi destaca a importância de uma abordagem menos romantizada ou apoiada em pressupostos ideológicos ao analisar figuras históricas.

Embora sua morte em 1695 seja reconhecida como um marco, estudos menos enviesados devem buscar reconstituir sua trajetória frágil de evidências, mas reconhecendo sua importância na resistência à escravidão. O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, destaca sua relevância, mas também levanta questões sobre a criação de feriados e a postura política em relação a eles.

O Dia 20 de novembro começou a ganhar algum destaque pela primeira vez em 1971, quando um grupo em Porto Alegre realizou um ato no clube Marcílio Dias, que pretendia promover a resistência da cultura negra. Naquela reunião começava a ser construída a figura mítica do “herói” Zumbi dos Palmares.

Muito tempo se passou até que o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi finalmente oficializado por meio da Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data pretendia então estabelecer um vínculo entre ao dia da morte de Zumbi e a conscientização sobre o legado da cultura africana no Brasil.

Recentemente a Lei 14.759/23, veio tornar feriado nacional o dia 20 de novembro. A lei teve origem no Senado por meio do Projeto de Lei 3268/21, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e teve como relatora a deputada Reginete Bispo (PT-RS). O dia 20 de novembro já era feriado em seis estados e cerca de 1,2 mil cidades. Por fim, o presidente Lula sancionou em 21 /12 /2023 o projeto de lei que declara o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra como feriado em todo o país.

Até este ponto, nada de novo no front. O projeto de lei é encaminhado para apreciação pelas devidas comissões, passa pelas casas legislativas, vai à sanção presidencial e entra em vigor. Tudo absolutamente normal exceto pelo fato que, durante uma reunião ministerial ocorrida em 10/11/2023 o presidente Lula, se referindo ao ano de 2023, afirmou que (…) “esse ano teve muito feriado prolongado. Exageradamente, esse ano teve muito feriado prolongado” (…) “Ano que vem, os feriados cairão todos de sábado. Significa que o PIB vai crescer um pouco mais porque as pessoas vão ficar um pouco mais a serviço do mundo do trabalho”.

A criação do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, oficializado em 2011, remete à morte de Zumbi e destaca a importância de preservar a cultura afro-brasileira. No entanto, a ambiguidade na postura presidencial, que inicialmente criticava feriados prolongados e posteriormente sancionava um novo feriado, destaca a influência das circunstâncias políticas na retórica.

Pois muito bem, de excesso de feriados passamos à criação de mais um feriado. O que poderia ter mudado de tão radical no posicionamento presidencial em apenas 41 dias? Pode ser que nada tenha mudado. Pode ser que apenas as palavras se adaptem à necessidade ou às circunstâncias. Da mesma forma como o uso dos personagens históricos também fortalece as narrativas, criando um viés de confirmação. O viés de confirmação é um fenômeno psicológico no qual as pessoas têm a tendência de interpretar, buscar ou lembrar informações de maneira a confirmar suas próprias crenças preexistentes.

Assim, se alguém se sente injustiçado ou oprimido, buscará nos mitos construídos o viés que confirme suas próprias crenças. Da mesma forma, se alguém pretende criar ou alimentar uma massa de manobra, fornecerá os subsídios para fortalecer aqueles vieses de confirmação.

O uso de personagens históricos, como Zumbi dos Palmares, fortalece narrativas e cria vieses de confirmação. Seja para simular a luta contra a opressão ou para manipular a percepção da história, em todos os casos a análise atenta é crucial.

Em última análise, a figura de Zumbi dos Palmares é parte essencial para a compreensão da história do Brasil e da luta contra a escravidão. No entanto, uma abordagem conservadoramente cautelosa é fundamental para reconhecer tanto suas realizações quanto as complexidades e debates que cercam sua história. O exame de Zumbi e dos fatos recentes que o envolvem, convida à reflexão sobre as complexidades da história e sua interpretação, auxiliando no desenvolvimento de discussões sobre o seu verdadeiro legado na história brasileira.

Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III Nº 38 – ISSN 2764-3867

Sobre o autor

Mauricio Motta

Mauricio Motta - Professor licenciado em História Pós-graduado em História do Brasil e colunista na Revista Conhecimento & Cidadania.

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BIOGRAFIA

Leandro Costa

Servidor público, advogado impedido, professor de Direito, Diretor Acadêmico do projeto Direito nas Escolas e editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania.

Defensor de uma sociedade rica em valores, acredito que o Brasil despertou e luta para sair da lama vermelha que tentou nos engolir. Sob às bênçãos de Deus defenderemos nossa pátria, família e liberdade, tendo como arma a verdade.

É preciso fazer a nossa parte como cidadãos, lutar incessantemente por nosso povo e deixar um legado para as futuras gerações. A política deve ser um meio do cidadão conduzir a nação, jamais uma forma de submissão a tiranos.

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