Em nosso país, todos os anos tomamos conhecimento de novos planos de transformação ou ajuste de nossa economia, política, administração pública, leis, cultura, padrões morais e uma infinidade de outros temas. Segundo o Zeitgeist progressista tão forçadamente propagandeado, a História segue linearmente adiante, em contínuo processo de evolução. Será mesmo? Estamos progredindo, partindo de tempos difíceis para tempos melhores? Ou estaríamos em uma espécie de looping histórico repetindo erros por falta de conhecimento em certos casos, ou ainda, pela aplicação de métodos escusos em outros?
Lendo estas linhas, pedimos que você, estimado leitor, aceite nosso convite para viajar no tempo e observar alguns momentos de nosso passado recente. Usando nossa máquina do tempo da memória, poderemos relembrar fatos esquecidos, comparar cenários e quem sabe, com alguma sorte chegaremos a prever o futuro. Embarque nessa jornada, tome seu lugar e aproveite a viagem.
Pronto! Num instante e acabamos de desembarcar na rua do Catete, Rio de Janeiro. Estamos diante do Palácio do Catete, sede do governo brasileiro, em algum dia do fim de novembro de 1937. Neste momento, conseguimos perceber a agitação nos salões e corredores. O governo iniciou um novo momento histórico que tem sido chamado de Estado Novo, é o que dizem. Ouvimos aqui e ali que será necessário manter as oposições e movimentos sociais sob estrito controle e vigilância. Em uma das salas podemos ouvir alguém dizer que é necessário “reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país”. Essa voz, é o Vargas! O clima está tenso neste momento.
Que tal avançar um pouco mais? Pois vamos para 1939! Pelo que podemos perceber do burburinho nos cafés da Av. Rio Branco, parece que o Chanceler alemão está empurrando o mundo para a guerra total. A Polônia caiu e a Alemanha segue avançando. Pelo que estamos percebendo, se lá fora as coisas estão difíceis, aqui no Brasil as coisas ainda não se ajustaram. Um novo departamento? “Departamento de Imprensa e Propaganda”?! Mas que diabos é isso? Parece que o governo Vargas pretende ter o controle dos meios de comunicação. Censura, padronização das narrativas, gastos excessivos com propaganda pró governo. Mas este povo está sob uma ditadura e só não percebe quem não quer, os sinais são claros.
Mais uma novidade, ouvimos nas ruas que o antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado em 1924 pelo presidente Artur Bernardes, está reformulado e se encontra mais ativo do que nunca. Muitas prisões têm acontecido desde 1937. Homens, mulheres e até idosos tem lotado os cárceres em diversos estados. Mas que barbaridade! Ao menos eles têm poupado as crianças.
Creio que precisaremos voltar para 2023. O ambiente brasileiro sob Vargas é ditatorial nesse momento, os tambores da guerra já são ouvidos, o ambiente é opressor nestes tempos, chega por enquanto. Vamos apelar ao nosso dispositivo do tempo e vamos buscar descanso, em 2023.
Estamos de volta, enfim! O presidente como sabemos é Luiz Inácio, o Lula. Ora, ora, botaram o retrato do velhinho de novo, botaram no mesmo lugar… Apenas uma brincadeira, a era Vargas ficou para trás, graças ao Bom Deus! Vejamos o que descobrimos em nosso tempo. Infelizmente o mundo está rumando para uma nova guerra, dizem alguns que nela já estamos. Como ter certeza? Vejamos os jornais. Um instante, já estávamos esquecendo, os jornais são um tanto démodé em 2023 não é mesmo? Muitas vezes trazemos costumes do passado (não esqueça disso). Vamos a internet…
Segundo a Revista Oeste “seis emissoras receberam uma bolada para exibir a campanha de 100 dias do governo Lula. São elas: Globo, Record, Band, SBT e Rede TV! — faturaram pouco mais de R$ 30 milhões da Secretaria de Comunicação (Secom), de 8 a 10 de abril”. Mas vejam só, saímos dos terríveis tempos de Vargas e seu DIP e demos de cara com a Secom agindo no mesmo sentido. Inacreditável!
Bem, não vamos nos deixar levar pela primeira impressão, vamos navegar um pouco mais. Que temos aqui? Correio do Povo! Tem nome de jornal antigo, vejamos o que diz: “Com certeza, teremos novos marcos jurídicos sobre a internet no Brasil ainda em 2023, seja pelo Congresso ou pelo Supremo”. Vamos ver se entendemos bem, se não for aprovado legalmente pelo Congresso, será imposto pela justiça? Quem disse isso foi… Flávio Dino, Ministro da… Justiça! Mas estamos em pleno Estado Novo? Estamos sob Vargas novamente? Não! Miseravelmente estamos em uma democracia, que segundo a etimologia da palavra, deriva de Demos Kratos, ou seja, o poder do povo. Do povo?!
Chega disso, vamos ver outras notícias.
Aqui diz que desde o dia oito de janeiro, 2182 pessoas foram presas, entre homens, mulheres, alguns idosos e… meu Deus! Crianças também! Por manifestações golpistas, destruição de patrimônio público e tentativa de derrubar o governo. Mas como? Se todas as 2182 pessoas tivessem diretamente envolvidas em tudo isso, não haveria pedra sobre pedra dos prédios invadidos. Sem facilitação, como puderam ocupar aqueles prédios? Sem armas, como derrubariam um governo? São as notícias, são as notícias…
Em 2023 o Departamento de Bernardes, o Departamento de Vargas, o Departamento de… nossos tempos, está de volta.
Creio que escolhemos mal nosso destino no passado. Vamos voltar novamente no tempo, para depois de Vargas. Ah a Bossa Nova! Ou melhor, o presidente Bossa Nova! Vamos visitar a era de ouro do desenvolvimentismo nacional. Vamos nos ufanar de nossa pátria, vamos a 1959!
As maravilhas da tecnologia do século XXI… Tudo num piscar de olhos e cá estamos, 1959. Vamos às ruas, vamos sentir a temperatura das ruas e descobrir que maravilhas o nosso charmoso JK tem aprontado. Novamente os jornais vão ajudar a descobrir o que se passa.
Ao que parece avançam as obras da construção da nova Capital. Enfim não é mesmo? Estava prevista na nossa primeira Constituição, aquela de 1891. Mas pelo que estamos lendo aqui, o governo tem tido problemas para custear a obra. Mas vejam que astuto o nosso presidente, tem autorizado a impressão de papel-moeda sem o devido lastro em ouro. Um homem à frente de seu tempo, mal sabe ele que mais adiante, em 1971 os EUA abolirão o lastro com o ouro, exatamente como ele está antecipando. Muito astuto! Mas segundo dizem os economistas essa medida causará desvalorização da moeda nacional e inflação. Vai saber, não é mesmo? Não somos economistas. Aqui também diz que o governo tem recorrido a seguidos empréstimos internacionais. E lá vem os economistas avisando que o endividamento comprometerá o equilíbrio das contas públicas dentro de poucos anos. Mas que povo sem fé e esperança esses tais economistas!
Ajustando mais um pouco nossa máquina do tempo, vamos ver como estão as coisas no último mês de JK à frente do governo, janeiro de 1961. Dizem os jornais que o custo da obra chegou perto de U$ 1,5 bilhão. É realmente muito caro, mas valeu a pena, que cidade linda! Outro jornal diz que… Temos uma CPI em andamento! Comissão Parlamentar de Inquérito para Investigar as Condições de Construção de Brasília, Organização e Regulamentação de seus Serviços Públicos”. Parece que as coisas não vão bem, mas aqui também diz que o Brasil teve crescimento em torno de 7,8% ao ano, chegando ao pico de 8,3%. Um crescimento inacreditável. Pensar grande e crer que os fins justificam os meios, este é o espírito JK. Como diria o grande Fernando Pessoa, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
As notícias também dão conta de que Juscelino recebeu um apartamento de presente de um amigo banqueiro, mas ele jura não ser dele. Diz que pertence ao tal amigo. Inclusive ele visitou a obra várias vezes, e até mesmo dona Sarah (sua esposa) solicitou melhorias no imóvel, do amigo do presidente, é claro. A empreiteira responsável pela obra, também recebeu concessões para obras na construção de Brasília, assinadas por Juscelino. Muita gente diz muita coisa, mas ao fim e ao cabo o apartamento está em nome do amigo (e que amigo!). Como é bom ter amigos!
Corrupção, favorecimentos, empreiteiras denunciadas, conduta presidencial em debate, pelo que temos visto o fim dos anos 50 não foi tão glamoroso assim. Melhor visitar outra época. Se 2023 está um tanto complicado, vamos então para… 2017.
Nossa! Quanta agitação novamente, quase havíamos esquecido como estava o nosso Brasil tão pouco tempo atrás. Vamos ver na internet o que dizem os jornalistas, para nos atualizarmos das notícias. Bem, aqui diz que o ex-presidente Lula foi condenado em primeira instância por corrupção e lavagem de dinheiro (quase esqueci, mas foi bom relembrar). Diz a reportagem que o ex-presidente recebeu um apartamento como forma de pagamento de propina, e que a empreiteira teria feito reformas no imóvel. Os advogados dizem que o apartamento em Guarujá não pertence ao ex-presidente. Interessante, aqui fala também em um tal sítio em Atibaia… de um amigo. Dejavù? Não sei, mas parece que já vi algo assim antes. Mas enfim, vou deixar isso pra lá. Vamos avançar um pouco mais em nossa máquina do tempo.
Chegamos em 2020, o que temos aqui? Ah sim, claro, pandemia, Cloroquina, lockdown, muita coisa continua acontecendo. Mas, pelo menos, não vemos nada sobre guerra. Se não se tem notícia, é porque não está acontecendo, é o que muitos creem. As notícias sempre giram em torno de problemas, afinal notícia ruim vende mais, não é mesmo? Vamos pesquisar sobre soluções e ver o que aparece. Hum, interessante, o senhor Henrique Meirelles está defendendo a impressão de papel-moeda para combater a crise sanitária. Segundo ele o risco de inflação imprimindo dinheiro é “zero”. Mas como pode isso? Agora eu lembro onde eu havia lido sobre amigos e apartamentos, e lembrei por causa dessa história de imprimir papel-moeda. O Juscelino, foi ele quem passou pelas mesmas situações. Lembro como se tivesse acontecido agorinha mesmo. E foi, afinal, viajando no tempo é tudo muito rápido.
Vejo aqui que o tal Meirelles foi presidente do Banco Central e Ministro da Fazenda. Mas como assim? Como ele não tomou conhecimento dos dias de JK? Gente doida que escolhe tais administradores, gente muito doida. Doida?
Estou cansado, você não está? Muitas viagens, muitas histórias, tantas coisas se repetindo em nossas cabeças. Uma última olhada na internet e voltamos ao nosso tempo. Vejamos esta: “Um povo que não conhece sua História está fadado a repeti-la”, Edmund Burke. Mas veja que ironia, um homem do século XVIII com mais sabedoria que todos os que temos visto nestas andanças.
Os que defendem o progresso linear da História das sociedades, não se importam com a História e nem com as sociedades. São cegos, guias de outros cegos, ou ainda, aves de rapina em busca de cadáveres para se alimentarem. Desta curta e cansativa, mas bastante proveitosa viagem, creio que pudemos verificar (com o remate de Burke) que a História vive sendo repetida por aqueles que não a conhecem. Que do passado se podem colher valiosos ensinamentos e testemunhos. Que o futuro pode retomar o passado, negando a falácia do futuro dourado, que tanto encanta aos ignorantes sonhadores do progresso.
Fim de nossa viagem no tempo, agradecemos sua companhia e, até breve!
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. II N.º 29