Tempus Veritatis

Tempus Veritatis

Houve um tempo em que a educação era a plataforma que retirava o ser humano da indigência intelectual e descortinava um horizonte de possibilidades de crescimento, essencialmente no campo intelectual, mas que trazia como consequências o sucesso social e o progresso econômico. Aquele tempo parece ter sido deixado para trás em nome de outras pautas e novos interesses que emergiram nos últimos 70 anos.

Ao longo da história, várias abordagens educacionais têm sido desenvolvidas para cultivar o pensamento crítico, a criatividade e o conhecimento em diversas áreas do saber. Entre essas abordagens, destacou-se o método Trivium e o Quadrivium, que desfrutaram de grande prestígio na educação clássica por séculos, moldando o pensamento e a prática educacional em diferentes culturas e períodos.

O método Trivium e Quadrivium remonta à antiguidade clássica, mais especificamente à Grécia e Roma antigas, onde foi desenvolvido como parte fundamental da educação aristocrática. O termo “Trivium” deriva do latim, significando “as três vias” ou “as três artes” e refere-se às três disciplinas fundamentais: gramática, lógica (ou dialética) e retórica. O “Quadrivium“, por sua vez, abrange quatro áreas: aritmética, geometria, música e astronomia.

Partindo do Trivium, inicialmente, os alunos aprendiam a linguagem e sua estrutura, incluindo vocabulário, sintaxe e regras gramaticais. Essa fase da educação focava na compreensão das palavras e na habilidade de ler e escrever corretamente.

Após dominar a gramática, os estudantes avançavam para a lógica, onde aprendiam a arte do raciocínio. Isso envolvia a análise de argumentos, identificação de falácias e desenvolvimento geral do pensamento.

A última etapa do Trivium era a retórica, que se concentrava na arte da comunicação persuasiva. Os alunos aprendiam a expressar suas ideias de forma convincente, utilizando técnicas de argumentação e eloquência.

Chegando ao Quadrivium, o aluno era apresentado aos estudos da aritmética, geometria, música e astronomia.

A aritmética, disciplina que abrange o estudo dos números e das operações matemáticas básicas, como adição, subtração, multiplicação e divisão.

A geometria, onde os alunos exploravam as propriedades e relações dos objetos no espaço, incluindo formas, ângulos, áreas e volumes.

Na música, além de abordar aspectos práticos, como harmonia e ritmo, esse componente também incluía o estudo teórico da música, como acústica e teoria musical.

Por fim, a astronomia envolvia o estudo dos corpos celestes, suas órbitas e movimentos, bem como sua relação com o tempo e a medida.

Adquiridos estes conceitos preliminares, conhecimentos e habilidades, o ser humano estava minimamente preparado para compreender o mundo em que vivia e, tinha melhores condições de lidar com as relações sociais, políticas e econômicas de seu tempo.

O método Trivium e Quadrivium alcançou seu apogeu na Europa medieval, onde formou a base da educação em mosteiros e universidades. Escolas renomadas, como a Universidade de Oxford e a Universidade de Paris, adotaram esse método, influenciando a educação em toda a Europa.

Com o tempo, a revolução científica e industrial do século XVIII e XIX impulsionou ainda mais a mudança na educação, com um foco crescente em disciplinas como ciências naturais, engenharia e economia. O método Trivium e Quadrivium, então, foi gradualmente relegado ao status de curiosidade histórica, sendo substituído por modelos educacionais mais modernos e especializados.

Por outro lado, o Positivismo, uma corrente filosófica e científica que emergiu no século XIX sob a liderança de Auguste Comte, teve um impacto profundo na educação, contribuindo significativamente para o declínio dos métodos Trivium e Quadrivium que haviam dominado a educação por séculos.

O Positivismo enfatizava a importância do método científico e da observação empírica como a base para o conhecimento legítimo. Defendia a ideia de que somente as informações obtidas por meio da experiência sensorial direta e da análise racional deveriam ser consideradas como válidas. Comte propôs uma hierarquia das ciências, com as ciências mais abstratas, como a matemática, a física e a química, ocupando o topo, enquanto as ciências sociais, como a sociologia, estavam no nível mais baixo.

Esses princípios do positivismo tiveram profundas implicações para a educação. O ensino baseado na observação e na experimentação ganhou destaque, deslocando a ênfase tradicional nas humanidades e nas disciplinas clássicas do Trivium e Quadrivium. A educação tornou-se mais voltada para o estudo das ciências naturais e aplicadas, refletindo a crença de que essas áreas forneceriam o conhecimento mais útil e confiável para o progresso da sociedade.

O advento do Positivismo coincidiu com uma mudança mais ampla na percepção do conhecimento e da educação. Os métodos Trivium e Quadrivium, baseados em disciplinas clássicas como gramática, retórica, música e astronomia, foram considerados cada vez mais como antiquados e inadequados para atender às necessidades de uma sociedade em rápida transformação.

O Positivismo exerceu uma influência profunda na educação do século XIX, promovendo uma mudança de paradigma em relação aos métodos educacionais tradicionais como o Trivium e Quadrivium. Ao enfatizar a primazia da ciência e da observação empírica, o Positivismo desafiou as premissas subjacentes à educação clássica e contribuiu para sua gradual substituição por modelos educacionais mais orientados para as ciências naturais e sociais.

Em outra reviravolta para a educação, surge o Gramscismo no início do século XX, principalmente durante as décadas de 1920 e 1930. Antonio Gramsci, foi um importante teórico marxista e político que viveu entre 1891 e 1937. Ele desenvolveu suas ideias principalmente durante o período entre guerras, quando estava envolvido com o movimento comunista na Itália.

Gramsci escreveu extensivamente sobre questões políticas, sociais e culturais, e suas obras mais conhecidas, como os “Cadernos do Cárcere“, foram produzidas durante seu período de prisão sob o regime fascista de Mussolini, entre 1926 e 1937. Foi nesse contexto que ele desenvolveu suas teorias sobre hegemonia, cultura e política.

Gramsci argumentava que a classe dominante mantinha seu poder não apenas através da coerção física, mas também pela disseminação de suas ideias e valores através da cultura. Ele cunhou o termo “hegemonia” para descrever o processo pelo qual a classe dominante estabelece sua autoridade moral e intelectual sobre a sociedade, moldando as percepções e valores comuns.

No contexto da educação, os seguidores de Gramsci aplicam essas ideias ao examinar como as instituições educacionais reproduzem e perpetuam as desigualdades sociais. Eles argumentam que o sistema educacional não é neutro, mas reflete e reforça as relações de poder existentes na sociedade.

Eles enfatizam a importância da educação como uma ferramenta para capacitar os grupos marginalizados e promover a transformação social.

Em resumo, o Gramscismo representa uma interpretação das ideias marxistas que destaca o papel central da cultura e da educação na reprodução das relações de poder.

Avançamos um tanto mais e chegamos a 2024. Época em que os educadores e educandos são desafiados a enfrentarem novos paradigmas, reais ou imaginários, num processo que tem posto sob julgamento a finalidade da educação e seus métodos. Assim, ao longo da história, nos nutrimos no Trivium e Quadrivium, fomos anestesiados pela influência do Positivismo e, desaguando no pântano do Gramscismo, agora somos desafiados a existir como sociedade.

Particularmente o ano de 2024 é decisivo e desafiador para o Brasil, porque coincide com o processo que levará à aprovação de um plano decenal para a educação brasileira, o Plano nacional de Educação (PNE 2024 – 2034). Para a elaboração desse plano, foi necessária, entre outras ações, a preparação e execução de uma conferência que estabeleceu as bases para a elaboração do plano de abrangência nacional, a Conferência Nacional de Educação (CONAE 2024). Tudo muito organizado, estudado, discutido, elaborado e com consequências nacionais e decenais.

Certamente o PNE 2024 -2034 deveria ter seu foco integralmente direcionado para a melhoria da qualidade da educação nacional, que se encontra atualmente entre os piores resultados do PISA, que é uma sigla que se refere ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Programme for International Student Assessment, em inglês). É uma iniciativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que visa avaliar o desempenho de estudantes de 15 anos de idade em diferentes países ao redor do mundo. O Brasil está em 64º lugar em matemática, 53º em leitura e 61º em ciências entre as 81 nações avaliadas. O resultado é pior que o de Uruguai, Chile, México e Costa Rica. Mas…

Na introdução do “Documento Referencia”, elaborado durante a CONAE – 2024, que servirá de base para o Plano Nacional de Educação (PNE 2024 – 2034) já é possível entender um de seus objetivos, reagir contrariamente às mudanças propostas durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, ali chamados de ultraconservadoras e de extrema direita.

Os retrocessos na agenda nacional, iniciados no governo Temer e aprofundados na gestão Bolsonaro, acentuaram políticas, programas e ações neoliberais, ultraconservadoras, como expressões hegemônicas do ideário da extrema direita.

No período de 2016/ 2022, houve o aprofundamento da crise institucional e a restrição a direitos e conquistas, cuja materialidade maior, decorrente do impeachment, foi a promulgação da EC nº 95, de 2016, que instituiu um novo e restritivo regime fiscal. No governo Bolsonaro se intensificaram ações e políticas que impingiram fortes obstáculos e retrocessos à democracia, à participação social e à garantia dos direitos sociais” (pág. 12).

Uma leitura honesta deste documento traz algumas reflexões e perguntas: quem definiu que aqueles governos foram ultraconservadores e de extrema direita? Onde ocorreram restrições a direitos e conquistas? Caso isto tivesse realmente ocorrido, o judiciário brasileiro ou outros grupos interessados não teriam agido prontamente? A introdução não recorda que as restrições impostas pela Emenda Constitucional 95 foram necessárias exatamente pela catástrofe advinda do governo Dilma Roussef? A introdução reforça a ideia de um ataque à educação buscando incutir a ideia de que não deve haver limites orçamentários quando o assunto é educação. Mas o que o autor do texto chama de “austericídio”, é na verdade o remédio amargo à doença provocada pelos devaneios socialistas de um governo que falhou miseravelmente em sua tarefa de bem gerir o erário público, em favor do progresso coletivo de seu povo. Diz a introdução:

Em consequência, foi afirmada uma política de “austericídio” fiscal que se aprofundou na última década, desde a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, do Teto de Gastos, comprometendo de maneira crítica os recursos da educação e o cumprimento do PNE (…)” (pág. 12).

Gerir com austeridade e estabelecer um teto de gastos é visto como um comprometimento crítico…

Adiante, o “Documento Referencia” apresenta outros elementos de sua proposta de melhoria para a educação brasileira:

712. 2.17. “Desenvolver e ampliar programas de formação inicial e continuada em sexualidade e diversidade, visando a superar preconceitos, discriminação, violência sexista e LGBTQIAPN+fobia no ambiente escolar, e assegurar que a escola seja um espaço pedagógico livre e seguro para todos(as), garantindo a inclusão e a qualidade de vida” (pág.114).

A pergunta é, de que forma nossas crianças e adolescentes serão doutrinados através dos programas de formação inicial e continuada? Ainda que dirigidos aos docentes, este programa terá como público-alvo os alunos. Matemática, leitura e interpretação de textos, ciências, quem importam? O que nossos jovens têm necessidade é do seu alinhamento com pautas identitárias que tanto tem ocupado espaço em todas as mídias.

E por falar em mídias,

644. “É preciso enfrentar e superar formas estruturais de preconceito e discriminação e formas de violência contra as instituições educativas, seus (suas) trabalhadores (as) / profissionais e estudantes, como, por exemplo, movidas por ideologias extremistas e de exaltação do ódio, com bases no supremacismo branco, racismo, capacitismo, misoginia, xenofobia, LGBTQIAPN+fobia, fascismo e neonazismo, assim como sua disseminação por meio de meios digitais – que necessitam de regulação” (pág. 105).

Em meio a um discurso de combate a questões que são importantes para a construção de uma sociedade mais harmônica, onde ressaltamos, quem em sã consciência seria contra aquelas questões? Eis que surge um elemento alienígena à melhoria dos índices da educação nacional: a regulação das mídias digitais.

646. “Ataques de violência extrema em instituições educativas no Brasil têm sido estudado por diferentes pesquisadores e grupos de trabalho. Em síntese, os ataques são premeditados e realizados por indivíduos jovens, brancos, do sexo masculino e que alimentam algum sentimento negativo em relação à escola. De maneira geral, são sujeitos que manifestam gosto pelo uso de armas associado à violência, agressividade e participam de grupos que disseminam discurso de ódio nas plataformas digitais (…) (pág. 105)”.

Os alvos já estão definidos, jovens, brancos, do sexo masculino. Quem são os pesquisadores? Que grupos de trabalho são esses? Quem patrocinou os estudos? Onde podem ser consultados seus métodos, recortes estatísticos e resultados? A questão das armas, pauta tão cara ao governo Bolsonaro no sentido de manutenção da liberdade e dos direitos individuais, é colocada no mesmo contexto da violência escolar. Há método!

Quais são os dados empíricos que dão base à existência de fascismo, nazismo, racismo, supremacismo branco, ideologias extremistas e de exaltação do ódio, de forma tão estruturada que careça de sua inclusão no PNE? Já não fazem parte do escopo do nosso Código Penal? Não parece a importação pura e simples de questões problemáticas em países europeus ou dos EUA? Querem mesmo nos fazer crer que no Brasil, um país onde, segundo dados do IBGE, aproximadamente 56% dos brasileiros se identificam como negros, pardos, indígenas ou descendentes de asiáticos. Por outro lado, aproximadamente 44% dos brasileiros se identificam como brancos. Reforçando o ponto, em um país onde a minoria é branca, onde a miscigenação é uma característica básica, o PNE deve olhar para o nazismo, o fascismo e o racismo como pontos fundamentais de combate para a melhoria da qualidade da educação?

Poderíamos atravessar páginas e páginas elencando e comentando recortes do texto do “Documento Referencia”, mas não o faremos pois já atingimos o ponto que desejamos. Enquanto nos distraímos com prisões de nomes importantes do cenário político nacional, operações de busca e apreensão com nomes chamativos, elementos de pirotecnia que desviam a atenção, e outras tantas ‘quase notícias’, a esquerda segue seu projeto. O PNE será aprovado ao longo de 2024 e os nomes fortes da oposição, ou seja, os políticos vinculados à direita, ou ao conservadorismo, ou ainda as meretrizes da política, que vendem seu apoio em troca de cargos, verbas ou outras benesses, onde estão? O que têm feito para evitar ou ao menos minimizar os danos desta tragédia anunciada? Estão certamente ocupadas com a pirotecnia esquerdista. Como não cansamos de repetir,

(…) ocupar a presidência do Brasil é apenas ocupar um espaço, dentre tantos outros possíveis. Conquistamos o ponto mais alto, nos falta conquistar os mais importantes.” (Revista C&C, edição I).

A educação e a cultura são pontos nevrálgicos para a manutenção de uma política de Estado com pretensões de durabilidade. Não que devamos desconsiderar as Blitzkrieg da esquerda, mas precisamos operacionalizar frentes de trabalho com olhos voltados para 10, 20, 30 anos adiante, assim como nossos adversários vem fazendo a décadas. A esquerda não descansa, a esquerda não desiste, a esquerda não brinca de conquistar o poder. Enquanto temos nos ocupado de afugentar os cães que ladram, a caravana do PNE passa, em silencioso e premeditado desfile.

Chegou a hora da verdade para a educação brasileira, precisamos acordar nossos deputados e senadores, pois o tempo é curto e a verdade é dura.

Referência bibliográfica: clique aqui

Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 39 – ISSN 2764-3867

Sobre o autor

Mauricio Motta

Mauricio Motta - Professor licenciado em História Pós-graduado em História do Brasil e colunista na Revista Conhecimento & Cidadania.

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BIOGRAFIA

Leandro Costa

Servidor público, advogado impedido, professor de Direito, Diretor Acadêmico do projeto Direito nas Escolas e editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania.

Defensor de uma sociedade rica em valores, acredito que o Brasil despertou e luta para sair da lama vermelha que tentou nos engolir. Sob às bênçãos de Deus defenderemos nossa pátria, família e liberdade, tendo como arma a verdade.

É preciso fazer a nossa parte como cidadãos, lutar incessantemente por nosso povo e deixar um legado para as futuras gerações. A política deve ser um meio do cidadão conduzir a nação, jamais uma forma de submissão a tiranos.

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