Colonização

Colonização

A Interiorização da colonização nos séculos XVI e XVII

Por Maurício Motta

O território brasileiro apresenta na atualidade suas fronteiras estabelecidas e reconhecidas por todas as nações. É o maior país em extensão territorial da América Latina. O gigantismo do território brasileiro foi construído ao longo do período colonial, tendo a sua primeira delimitação ocorrido em 1494 através do Tratado de Tordesilhas, assinado entre as coroas espanhola e portuguesa, antes mesmo da posse oficial ocorrida em 1500 por meio da missão comandada por Pedro Álvares Cabral. Posteriormente, novos acordos foram firmados entre as duas coroas, tais como: o Tratado Utrecht (1713); o Tratado de Madrid (1750); o Tratado de Santo Ildefonso (1777) e o Tratado de Badajós (1801). É importante deixar claro que estes tratados assinados entre Portugal e Espanha foram contestados por outras nações europeias, como por exemplo a França e a Inglaterra, interessadas em participar da partilha das novas e terras e das possibilidades de exploração econômica.

Uma característica ainda marcante de seu povoamento e da distribuição dos grandes centros urbanos é seu posicionamento predominantemente litorâneo. Para compreender que fatores e motivações conduziram ao que hoje conhecemos como o “território brasileiro”, precisaremos conhecer de que forma se iniciou a sua ocupação com características de permanência.

Para discutir a respeito da ocupação do território brasileiro durante os séculos XVII e XVIII, é necessário que antes se faça um breve relato da trajetória brasileira desde o seu descobrimento até o momento acima citado. A partir desta perspectiva, torna-se indispensável observar aspectos sociais, políticos e econômicos inerentes ao processo colonizador português para que se compreenda aquela ocupação.

Como sabemos, o descobrimento do Brasil ocorreu em 1500. Depois de um rápido reconhecimento da costa e da comunicação do achado à Coroa Portuguesa, nenhuma iniciativa de ocupação foi tomada até 1530, quando Martim Afonso de Sousa foi enviado com o objetivo de combater o amplo comércio existente entre corsários franceses e os indígenas que habitavam o litoral e para o estabelecimento de vilas e feitorias que garantissem a segurança da costa e o comércio com a metrópole.

Tendo sido arrendada em 1506 a Fernão de Noronha e outros cristãos novos, as novas terras davam, por volta do fim da segunda década com o Pau Brasil, lucros significativos – não comparáveis aos do comércio oriental – e que já começavam a despertar o interesse de outras nações. Isto vem explicar o porquê da missão de Martin Afonso: ocupar para defender.

Concluída esta primeira etapa, era necessário então que se tomassem medidas que permitissem garantir a posse das novas terras. Seguindo a experiência anteriormente aplicada às ilhas dos Açores e da Madeira, decidiu-se pela divisão do imenso território em Capitanias que seriam concedidas a exploração comercial mediante o pagamento de tributos à coroa. Esta medida serviu para combater, ou ao menos dificultar a ação de corsários, mas mantinha a ocupação limitada à faixa litorânea em virtude de uma série de regimentos, entre eles, o que estabelecia o limite de dez léguas de terra para o oeste no aproveitamento da agricultura. Com exceção da Vila de São Vicente (semente da futura Cidade de São Paulo) fundada no planalto paulista, a ocupação era nesse momento, exclusivamente litorânea.

Esta defasagem de tempo ocorreu porque, neste período de trinta anos, Portugal beneficiava-se do comércio com as Índias através da rota descoberta por Vasco da Gama em 1498. O comércio com as Índias já estava estabelecido desde muitos séculos, e esta nova rota vinha concorrer com italianos e árabes no comércio entre a Europa e o Oriente. Por isso, não interessaria a Portugal desperdiçar tão boa oportunidade de auferir lucros com o comércio oriental, pois, as terras recém descobertas não se apresentavam, a princípio, tão pródigas em riquezas minerais como as possessões espanholas ao norte.

A partir de meados do século XVI iniciaram-se, timidamente, os primeiros movimentos rumo ao interior. Conhecidas como as “entradas” paulistas tinham o objetivo de capturar mão de obra nativa para o trabalho e sondar o interior a procura de ouro e pedras preciosas. Também neste período, o Rio Amazonas conduzia levas de missionários Jesuítas para o interior da floresta visando a formação de “reduções” indígenas para catequese. Lembrando que as reduções eram aldeamentos organizados pelos jesuítas e tinham dupla vantagem por não afastar os indígenas de suas terras e facilitar o processo de cristianização. Naqueles movimentos os jesuítas eram seguidos por comerciantes em busca de produtos tropicais muito procurados na Europa. Estas primeiras movimentações foram facilitadas durante o período da União Ibérica (1580 a 1640), pois, sob um mesmo rei – o de Espanha – o Tratado de Tordesilhas praticamente ficava sem efeito, facilitando em muito as incursões para oeste.

As primeiras formas de ocupação do interior, mais efetivas e duradouras, foram observadas no final do século XVI através do estabelecimento de fazendas de criação de gado no sertão nordestino, no Maranhão e particularmente na Bahia. Mais tarde tais fazendas chegariam à região centro-sul (Minas Gerais e Mato Grosso).

O auge do deslocamento para o interior ocorreu no final do século XVII com o descobrimento de grandes jazidas de ouro em Minas Gerais. Desde os últimos anos do século XVI já se extraía ouro em São Paulo, porém, em quantidades que não despertavam maior interesse. Entretanto, com as descobertas em Minas Gerais, ondas migratórias se deslocaram de diversos pontos da colônia para sua região central. É interessante notar que as fazendas de gado que já haviam se instalado naquela região, serviram então e também, como fornecedoras de carne para a subsistência das populações que trabalhavam nas minas. Também em Goiás e Mato Grosso a descoberta de ouro provocou a fixação temporária do homem à terra. Dizemos temporária, pois, nas palavras de Caio Prado Jr em seu livro Formação do Brasil Contemporâneo,

(…) no alvorecer do séc. XIX, (…) já se tinham esgotado praticamente todos estes depósitos de superfície na área em que ocorreram. A mineração sofre então o seu colapso final. (…)”.

Com isso, a maior parte da mão de obra empregada na mineração retornou à agricultura e ao litoral, ficando no interior uma pequena parcela de população associada à agricultura de subsistência ou à pecuária.

Apesar de a ocupação ter sido em muito alavancada por momentos de desenvolvimento de certas atividades, sejam elas: o extrativismo, a agricultura, a mineração ou a pecuária, no período que nos interessa, a agricultura teve menor importância por ter permanecido fortemente ligada às áreas férteis e úmidas das baixadas litorâneas. Por esta razão, daremos maior ênfase ao extrativismo através da bacia amazônica, a pecuária nos sertões nordestinos e a mineração no centro-sul do Brasil. Não esquecendo a contribuição jesuítica tanto no norte quanto no sul do país.

Adiante, trataremos especificamente das motivações do retardo dos movimentos de ocupação do interior e, quando ocorreram, quais teriam sido suas relações com a metrópole. Seriam o resultado de um projeto colonizador consciente ou de um movimento natural e inespecífico? Esta ocupação causou reflexos em outros aspectos da vida colonial? E a agricultura, teve influência na interiorização mesmo estando baseada no litoral ou foi por ela afetada? É o que veremos.

Até o ano de 1530, o litoral brasileiro vinha sendo utilizado como escala de reabastecimento dos navios que rumavam para as Índias. Todo o interesse lusitano estava voltado para o comércio oriental que, desde muito tempo, provara ser bastante lucrativo. Em contrapartida, as novas terras descobertas não apresentavam sequer indícios da existência de riquezas minerais, podendo oferecer apenas o Pau Brasil que por este motivo se tornou a primeira fonte de lucros para a coroa portuguesa. Desta forma, o aparente desinteresse metropolitano pelo Brasil não passava de uma questão de estratégia e prioridades.

Mesmo depois da divisão do território em capitanias e do estabelecimento de vilas e feitorias no litoral, um de nossos primeiros cronistas, frei Vicente do Salvador em sua obra História do Brasil, acusava os portugueses afirmando que

(…) sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitavam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos”.

Tal afirmativa não é incorreta, mesmo considerando que em 1627 quando foi escrita, o movimento bandeirante já avançava para o interior. A crítica era dirigida à forma pela qual a ocupação se dava, pois,

(…) que nenhum homem nesta terra é republico, nem zela, ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular. (…). Pois o que é fontes, pontes, caminhos e outras coisas públicas é uma piedade, (…) e isto tudo vem de não tratarem do que há de cá ficar, senão do que hão de levar para o reino”.

E não era exclusivo apenas dos portugueses a forma de abordagem colonizatória, pois o cronista ainda acrescenta:

(…) e isto não tem só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída”.

Importante esclarecer que os comentários do frei Vicente em nada podem ser vinculados a teorias de viés marxista, visto que Marx e sua teoria surgiriam séculos mais tarde. Tratava-se da constatação de práticas normais para aquele tempo e para as sociedades sul americanas de então.

As “entradas” paulistas citadas anteriormente não podem ser consideradas como tentativa de povoamento, visto que seu objetivo era claramente econômico, já que buscavam a priori apenas mão de obra. Esta afirmação parece controversa na historiografia brasileira, pois, Capistrano de Abreu e Caio Prado Jr apresentam opiniões divergentes a este respeito. Abreu nos diz em seu livro Capítulos de História Colonial que, com o fim da aventura desbravadora os bandeirantes fixaram-se em fazendas às margens do rio das Velhas e do São Francisco, chegando a reunir mais de cem famílias dedicadas a criação de gado; Prado Jr afirmou na mesma obra que já citamos anteriormente, que tais movimentos tiveram cunho exclusivamente exploratório sem fixar o homem à terra. Em um autor vê-se o contar da história de forma factual e isenta, quanto ao outro (mais recente) a visão opinativa e dirigida da História.

Até mesmo a ocupação do litoral seguiu uma prática que se tornaria comum ao processo de colonização brasileiro, ou seja, apesar das dificuldades naturais oferecidas pela natureza, o colonizador português procurou aproveitar-se de tudo que tornasse seu trabalho mais suave e/ou reduzisse as dificuldades. A respeito disso, Capistrano de Abreu nos revela que o aproveitamento do curso dos rios e das trilhas criadas e usadas pelos índios – como no caso amazônico – teve vital importância para o reconhecimento e ocupação do interior. Também Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, acrescenta que os aldeamentos originalmente encontrados no litoral eram aproveitados para a formação de vilas, e onde não havia indígenas observava-se um “vazio” de ocupação europeia. Outro fator importante indicado por Buarque era o fato de encontrar-se por todo o litoral um mesmo tronco linguístico, o que facilitava sobremaneira a comunicação e, por conseguinte, a ocupação. Ainda segundo Buarque,

O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha acostumado a alcançar na Índia com as especiarias e os metais preciosos. (…)”.

Há que se considerar que esta fixação ao litoral pode ser explicada, em parte, porque a população de Portugal no século XVI não passava de um milhão e meio de habitantes em decorrência das baixas causadas pela peste negra nos séculos anteriores e do fato de ter-se empregado grandes contingentes de população no comércio marítimo com as Índias, mas estes não haviam de ser os principais motivos. Todos os elementos até aqui apresentados, nos levam a concluir que o distanciamento da costa prejudicaria o objetivo principal da ocupação: a extração de riquezas, que naquele momento estava ligada a agricultura e, em função das grandes distâncias percorridas do interior ao litoral, elevaria os custos da produção, além de desguarnecer a costa.

Além disso, ou talvez por isso mesmo, por um longo período de tempo as incursões ao interior ficaram vedadas sem a autorização expressa do rei de Portugal, e mesmo obras literárias que descrevessem as riquezas naturais do Brasil eram censuradas para não despertar o interesse de outras nações. Um bom exemplo disto é a obra escrita por André João Antonil: “Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas”, censurada por conter informações consideradas estratégicas. Era preciso proteger a costa e produzir riquezas a partir dela, ao mesmo tempo em que se guardava o que houvesse no interior por explorar.

Assim, nesta primeira abordagem buscamos apresentar os elementos factuais mais importantes para as incursões circunstanciais e para permanência do homem junto às áreas litorâneas. Para o segmento deste artigo trataremos dos movimentos com caráter mais definitivo de fixação à terra e de configuração de nosso território.

(continua na próxima edição)

Sobre o autor

Mauricio Motta

Mauricio Motta - Professor licenciado em História Pós-graduado em História do Brasil e colunista na Revista Conhecimento & Cidadania.

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BIOGRAFIA

Leandro Costa

Servidor público, advogado impedido, professor de Direito, Diretor Acadêmico do projeto Direito nas Escolas e editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania.

Defensor de uma sociedade rica em valores, acredito que o Brasil despertou e luta para sair da lama vermelha que tentou nos engolir. Sob às bênçãos de Deus defenderemos nossa pátria, família e liberdade, tendo como arma a verdade.

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