O projeto transumanista e a necessária redução populacional
O conceito de Transumanismo não é unívoco, ainda objeto de disputa em relação aos seus limites e conteúdo, sendo utilizado em contextos tão díspares, que permitem afirmações até mesmo contraditórias, mas que partem de uma premissa: os seres humanos podem e devem utilizar a tecnologia disponível para melhorar a condição humana natural. Em geral, sem a pretensão de esgotar todas as possibilidades teóricas, é possível compreender o Transumanismo como uma corrente de pensamento que defende o dever moral do progresso para estágios posteriores da Humanidade, utilizando a tecnologia para ampliar os sentidos e melhorar o corpo biológico.
Há um desconforto ao tratar do tema. As implicações morais, filosóficas e religiosas não são irrelevantes. Temos esse direito? Quais as consequências de tamanha intervenção na condição humana? Como ficarão os arranjos sociais e políticos com o advento do transumano? Não são questões de menor importância. Todavia, estas implicações não vão conseguir impedir o avanço da tecnologia rumo ao corpo humano. Observe que o primeiro campo de aplicação dessas novas tecnologias é a saúde humana. Como impedir uma pesquisa que tenha potencial para erradicar doenças como câncer e Alzheimer? Depois de implementadas, como impedir que essa tecnologia seja utilizada para melhorar o corpo de pessoas sadias, ampliando sua resistência a outras doenças ou melhorando sua memória? A partir desse ponto, o potencial de uso militar e ilícito é extraordinário demais para não ser utilizado.
Esclareça-se que não há nada de novo debaixo do sol. O ser humano sempre tentou melhorar seu corpo biológico, com a alimentação e com os exercícios físicos e mentais. A correção de problemas físicos com uso de tecnologia também não é novidade. Uso de próteses, óculos e outros artefatos para corrigir problemas físicos não são inventos recentes. Também não é novidade a utilização de drogas em tratamentos para melhorar o desempenho da memória e da concentração. Enfim, a humanidade sempre utilizou técnicas, remédios e artefatos para o melhoramento do corpo humano, aperfeiçoamento de suas funções e correção de problemas. Não há novidade nisso. Em certa medida, já somos todos transumanos. A tecnologia é uma extensão no nosso corpo, do nosso viver, do modo como percebemos a realidade. Esse texto chega ao leitor através da tela de um aparelho, conectado à Internet. Uma criança nascida na alta Modernidade já amealhou mais conhecimento que um ancião da Idade Média. Os gadgets se tornaram extensões do corpo humano. Em breve, integrarão o corpo humano. Talvez um dia sejam o corpo humano.
O diferencial significativo no Transumanismo são as ferramentas de melhoramento humano. As novas tecnologias permitem o desenvolvimento das potencialidades do corpo humano em um nível interventivo jamais imaginado pelos primeiros Moderno. Não se trata mais de curar doenças, mas prevenir sua existência antes do nascimento do paciente, mediante um mapeamento genético dos pais. Não se trata mais de uma prótese, mas de um outro órgão fabricado a partir do material genético do próprio paciente. As novas tecnologias de biohacking permitem assumir a governança da própria estrutura biológica do corpo humano, modificando-o para desenvolver os sentidos físicos, a capacidade mental, inclusive erradicando doenças e ampliando tanto a possibilidade de implantes, inclusive de órgãos humanos geneticamente produzidos, que se teoriza a possibilidade do ser humano chegar ao ponto de flertar com a imortalidade. Outro aspecto que diferencia o Transumanismo é a ideia da promoção de uma nova Humanidade, melhorada biotecnologicamente, alicerçada em uma nova Civilização. Uma evolução que não dependa do acaso das mutações genéticas, mas que seja operada conscientemente pelo próprio ser humano. Em última análise, não se trata apenas da intenção de matar Deus, mas sobretudo de tomar o seu lugar para corrigir os erros do projeto divino, fazendo um novo ser humano à própria imagem.
Contudo, a transição para uma Civilização transumana não é uma empreitada fácil, sendo mais provável que nunca aconteça. Além das dificuldades tecnocientíficas, os revolucionários planificadores transumanistas ainda teriam um desafio de grandeza inimaginável: o paradoxo demográfico.
O Transumanismo propõe a reengenharia do próprio corpo humano, tornando-o melhor, mais funcional e mais resistente, com a possibilidade de reparar ou repor órgãos indefinidamente, estendendo a vida ao ponto de flertar com a imortalidade. No entanto, já somos mais de sete bilhões de seres humanos e se todos se tornarem imortais ou quase imortais, como vamos continuar provendo todas as nossas necessidades, considerando a limitação dos recursos naturais? Outras gerações virão, aumentando a pressão demográfica sobre as fontes de recursos naturais não renováveis. O paradoxo demográfico pode ser enunciado do seguinte modo: o mundo transumano pretende ser o berço de um novo ser humano melhorado, mas se todos os seres humanos forem melhorados não haverá mundo suficiente para o transumano. A única conclusão lógica aceitável, em face desse paradoxo, é que a passagem do transumanismo utópico para o transumanismo científico demanda não apenas um controle de natalidade rigoroso, mas sobretudo um programa eficiente de redução populacional global.
Entretanto, uma redução populacional em escala global é um problema grave não apenas de meios, mas sobretudo de logística, demandando um esforço coordenado em escala global jamais visto em nenhum momento histórico anterior. Seria preciso um grupo coeso, com recursos financeiros ilimitados, que detivesse o controle dos principais veículos da mídia mundial, bem como influência política nos países que integram o G7, além de ter poder de decisão nos órgãos internacionais multilaterais, sobretudo na ONU e na União Europeia. Esse grupo hipotético teria que ser capaz de promover um recomeço na História, uma espécie de great reset.
Além da dificuldade em estabelecer uma espécie de Fórum Mundial decisório, por mais força econômica e política que tivesse, este grupo seleto não poderia utilizar pura e simplesmente da violência para reduzir a população global, em face da quantidade muito superior de indivíduos a serem eliminados e de sua provável resistência. É preciso utilizar o método cartesiano, dividindo o problema maior em partes menores, para resolvê-las gradativamente.
Desse modo, um programa de redução populacional deve ser dividido em etapas, a partir de uma mudança dos padrões culturais que incentivam a procriação. O primeiro passo é destruir o modelo de família monogâmica, invertendo seus pilares lógicos. Sem isso, a natalidade não será reduzida. É preciso utilizar todos os meios de propaganda e marketing, o cinema, a música e as artes em geral, para moldar novos arranjos familiares, que desencorajem a reprodução humana. Relações entre pessoas do mesmo sexo, casais que substituem filhos pelo cuidado com animais, ficar solteiro, estigmatizar a mulher que não trabalha, o culto ao corpo e aos músculos, o individualismo, hedonismo, todos esses padrões de comportamento devem ser normalizados, incentivados até se tornarem regra. Gerar mais de um filho deve ser visto como uma aberração, algo inusitado, até mesmo absurdo. Aliás, a própria instituição do casamento deve ser vista como algo obsoleto, desnecessário. O divórcio deve ser banalizado, facilitado ao extremo. O resultado pretendido é o controle da natalidade. Qualquer narrativa, por mais absurda, é válida para promover o controle da natalidade, como dizer que é egoísmo procriar porque a água do planeta está acabando. Observe que a destruição da instituição familiar jamais será possível sem um ataque sistemáticos aos fundamentos da tradição judaico-cristã. O judaísmo e o cristianismo devem ser apresentados sempre como ideias retrógradas, ultrapassadas, preconceituosas, misóginas, até mesmo ridículas. O padrão da família judaico-cristã deve ser simplesmente eliminado, porque é tendente à procriação.
Ainda assim, sempre haverá aqueles que insistirão em se relacionar com pessoas do sexo oposto e procriar. Por isso, os instrumentos econômicos devem ser utilizados para reforçar os novos padrões culturais necessários ao controle da natalidade, de modo a tornar a criação de filhos algo absurdamente dispendioso. Do parto à faculdade, os pais devem ser forçados a investir fortunas. Roupas, alimentos, educação, lazer, saúde, brinquedos, todos os itens devem se manter sempre em valores elevados e crescentes, aumentando a pressão sobre os que insistam em querer ter filhos. A ideia de sucesso e realização deve ser deslocada para os bens materiais que as pessoas possuem, de modo que investir na educação de filhos será compreendido como desperdício de recursos que poderiam ser melhor empregados na aquisição e ostentação de bens. O ideal de uma pessoa bem-sucedida deve corresponder a alguém rico, solteiro, musculoso, promíscuo, que ostente muitos bens e não tenha filhos. Quanto mais uma pessoa se afaste desse padrão, tanto mais será considerada uma pessoa fracassada.
Por fim, não se pode falar em controle de natalidade sem tratar da legalização e incentivo ao aborto. Investir em esterilização e meios anticoncepcionais, até mesmo na inserção nos alimentos industrializados de substâncias com potencial para causar infertilidade, são medidas necessárias, mas não são suficientes. O aborto, combinado com uma campanha de “conscientização” sobre os direitos da mulher ao seu próprio corpo, é o único meio eficaz de reduzir definitivamente a natalidade, inclusive podendo até mesmo inverter as taxas de crescimento para decrescimento populacional. O aborto é o mais eficaz instrumento de extermínio em massa inventado pela humanidade. Jamais haverá um mundo transumano sem a ampla legalização do aborto e a facilitação ao seu acesso. A prática de assassinar fetos humanos nos ventres das mães deve ser normalizada ao ponto de ser tão comum quanto o ato de cortar o cabelo ou pintar as unhas. Mais uma vez, a propaganda midiática em sentido amplo será fundamental para distrair as massas da contradição entre o incentivo ao aborto e o aumento da proteção dos embriões de outras espécies, tais como ovos de tartaruga e aves raras, filhotes de baleia e de urso panda, por exemplo.
Cumprida essa fase primeira, quando os índices de natalidade estiverem em patamares aceitáveis, será preciso administrar uma solução para o excedente de seres humanos que não poderão migrar para um mundo transumano. De logo, a ideia de simplesmente deixá-los para trás deve ser rejeitada, porque isso causaria convulsões, revoltas, com a necessidade de um uso desnecessário e dispendioso de recursos, sobretudo de tempo, com a possibilidade de que essa reação se estenda indefinidamente, uma vez que os deixados para trás seriam a ampla maioria da humanidade. Mas como eliminar pelo menos 6,5 bilhões de pessoas, de modo rápido o suficiente para evitar a organização de uma resistência?
Paradoxalmente, a solução para este problema pode ser encontrada precisamente nos textos bíblicos, notadamente do Livro das Revelações de João, que narrou ter visto quatro cavaleiros no horizonte: a Morte, a Fome, a Guerra e a Peste. Seguindo esse cronograma, a Morte dos desnecessários demanda a Fome, a Guerra e a Peste.
A Fome. O controle da produção alimentícia é fundamental em duas frentes: produzir alimentos com menos nutrientes, inclusive investindo em produtos industrializados, que permitam a inserção de substâncias que causem a infertilidade. Além disso, é preciso desencorajar a produção de alimentos naturais, combatendo sem tréguas o agronegócio, utilizando as narrativas ambientais sempre úteis para mobilizar as massas. A produção de carne em geral, leite e seus derivados e os produtos hortifrutigranjeiros devem ser apontadas como causas dos problemas ambientais mais visíveis, como o aquecimento global. A ideia é promover o aceite de alimentos industrializados produzidos artificialmente, com controle de escala e capacidade de servir como meio para administração de um programa de controle de natalidade, mediante uma esterilização indireta. Outrossim, quando os alimentos artificiais forem amplamente utilizados, quem controlar a produção desses alimentos sintéticos poderá determinar quem se alimenta ou não, apenas reduzindo o fornecimento. A Fome como arma não é necessariamente uma novidade (vide Holodomor), mas a escala global exige um controle de produção que só pode ser alcançado com a massificação do consumo de alimentos sintéticos.
A Guerra foi sempre um importante instrumento de redução populacional. Ainda que o objetivo primordial das Guerras seja poder e dinheiro, a redução populacional é um efeito que se segue. Uma Guerra Mundial, com uso de artefatos nucleares, seria um meio rápido de eliminar os desnecessários rapidamente, enquanto a elite transumana aguardaria a passagem do inverno nuclear em abrigos bem protegidos. O problema dessa solução é a perda de controle quanto aos efeitos em relação aos ecossistemas terrestres. O ideal seria uma Guerra circunscrita à Eurásia, mas a contenção geográfica dos efeitos do uso de armas nucleares é um problema residual importante.
A Peste. O uso de armas biológicas também está muito longe de ser algo inovador, mas o conhecimento científico atual, aliado aos meios de transporte, possibilitam a proliferação de patógenos fabricados biotecnologicamente em escala pandêmica. A dificuldade aqui é a contaminação controlada. Espalhar simplesmente um vírus no ar, por exemplo, poderia ampliar a contaminação de modo a atingir também os transumanos ou tornar o planeta inabitável ou insalubre ao extremo. Seria preciso contaminar diretamente os desnecessários, fazendo-os ingerir o patógeno ou serem inoculados. O problema é como fazê-lo? Como convencer 6,5 bilhões de pessoas, em países diferentes, com culturas diferentes, a aceitarem ser contaminadas? O uso da força mais uma vez é inviável, em face do número de indivíduos. Seria preciso uma motivação de tal magnitude, uma lavagem cerebral tão forte, que fosse capaz de fragilizar o instinto de sobrevivência e a capacidade de discernimento da população mundial. Como se vê, uma empreitada praticamente impossível de ser realizada.
Por tudo isso, a passagem para um mundo transumano é uma possibilidade muito improvável. Possivelmente, o transumanismo se concretizará em algumas tecnologias caríssimas, restritas a poucos.
A não ser que…
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 38 – ISSN 2764-3867
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