Por Mauricio Motta
Existe uma grande divergência entre analistas, pensadores e intelectuais da direita e da esquerda brasileira, e mesmo entre os de direita com seus pares, sobre qual o alinhamento ideológico da Alemanha durante o período da Segunda Guerra Mundial. Nos referimos especificamente ao movimento que esteve à frente daquele país: o nazismo. Alguns defendem que o nazismo era um movimento de esquerda, outros que se tratava da extrema direita. Os argumentos apresentados por ambos os lados são em geral corretos, ainda que isoladamente causem distorções no entendimento. Para agregar mais elementos à questão, o que poderá mesmo fortalecer o entendimento da atuação da esquerda no Brasil, vamos buscar primeiramente o lado conceitual para só então tentar compreender um pouco mais deste movimento político-ideológico que foi o nazismo e qualquer ligação que este tivesse com a direita ou a esquerda.
Tantas vezes ouvimos a seguinte afirmativa: “o comunismo nunca foi aplicado de verdade em nenhum país, então nenhuma crítica pode ser direcionada a ele”. A confusão conceitual que existe entre as duas palavras (comunismo e socialismo) é tamanha, que tantas vezes são usadas como sinônimas, quando nunca foram. Em sentido cronológico partiremos do socialismo.
O socialismo é uma idealização de Marx e Engels e pretendia ser a primeira fase do movimento que levaria à ditadura do proletariado. Para Marx a primeira fase da revolução proletária seria necessária pois levaria os trabalhadores unidos a assumirem o controle dos meios de produção, e por conseguinte das forças geradoras de riquezas, até então sob o domínio exclusivo da burguesia, porém sob a tutela das lideranças do movimento revolucionário. Naquele momento ainda seriam observáveis as classes sociais e um governo centralizado. O movimento teria um caráter internacionalista, ainda que houvesse discordâncias entre Trótski e Stálin. Para Trótski a internacionalização do movimento e sua atuação permanente se justificavam em função da existência de tensões de classe em todas as sociedades e em todos os tempos; para Stálin deveria ocorrer a consolidação revolucionária na Rússia para só então ocorrer a expansão de suas ideias. Por fim, o modelo stalinista foi vencedor e tem estado presente até o momento, apesar de inúmeras mudanças de perfil, estratégia, área de atuação e até mesmo de discurso.
O comunismo seria a segunda e última fase da revolução do proletariado, onde não haveria mais propriedade privada, classes sociais, nem a necessidade de um governo. Seria uma sociedade utópica, que nas palavras de Marx traria a materialização do pensamento: “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. Possivelmente seja neste sentido que os defensores da esquerda alegam nunca ter sido aplicado. De fato, tal governo jamais existiu. A questão fundamental neste conflito de opiniões reside no possível desconhecimento conceitual das palavras, empregadas como sinônimas. Neste caso a direita critica o socialismo, a esquerda defende o comunismo e ninguém se entende.
Um fato facilmente comprovável pelo estudo da história mundial é que todas as sociedades que se lançaram na tresloucada aventura socialista, degeneraram em regimes ditatoriais; sofreram prisão ou extermínio em massa dos dissidentes; controle social; moral e religioso; desarmamento civil e degradação econômica. Para a direita, resultado óbvio de qualquer governo de esquerda; para a esquerda, consequência das distorções provocadas pelas ditaduras.
As teorias marxistas descambam inevitavelmente para ditaduras pois, é impossível impor um regime supostamente igualitário sem considerar o aspecto das individualidades, aspirações, inclinações e potencialidades de cada ser humano. Somente pela força, pela imposição do poder é que a utopia comunista ou sua matriz socialista podem ser materializadas.
Quanto ao nazismo, por razões óbvias, sua própria menção desperta tristes histórias, que jamais devem ser esquecidas, para nunca mais serem repetidas.
O nazismo, tema central desta crônica, gera múltiplas confusões conceituais e de análise de suas relações de causa e efeito. Algumas vezes parte-se da ideia de que o nome “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães” é o suficiente para enquadrar o nazismo como um movimento de esquerda, não cabendo então qualquer debate. Erro crasso! A palavra socialista neste caso remete à sua raiz etimológica. Em português temos socialismo, em inglês socialism, em alemão sozialistische e, em latim a palavra deriva de associare, que significa agrupar, reunir. Por outro lado, não se pode dissociar as palavras Nacional e Socialista quando se refere ao partido nazista, pois uma complementa a outra dando uma nova dimensão às palavras, o que é demonstrado em uma única palavra alemã, nationalsozialistische. Ou seja, nacional socialismo quer dizer a reunião, o agrupamento de povos da mesma nação, ideia idêntica ao pangermanismo presente entre os fatores que deram causa à Primeira Guerra Mundial. Para Hitler, a questão racial, unida ao desejo de unificação dos povos de matriz germânica, estavam na base de sua ideologia política e da construção do terceiro reich. Assim, ainda que a palavra socialista esteja presente na sigla do partido nazista, não faz referência ao uso ideológico-filosófico dado por Marx.
Finalizando a questão sobre o alinhamento ou não do nazismo ao marxismo, pudemos consultar a melhor fonte primária possível, o livro Mein Kampf escrito por Adolf Hitler. As palavras marxismo e marxista aparecem 194 vezes ao longo da obra, em geral associadas às palavras: repulsa, erro, usurpação, destruição, guerra, mentirosos, infames, inimigos, aniquilamento, destruidora entre outros adjetivos depreciativos. Nos parece claro que o autor demonstra claramente estar em oposição total e inconciliável ao marxismo.
Necessário apresentar também a divergência do partido nazista ao capitalismo, personificado naquele momento histórico e no cenário europeu pelos judeus. Na concepção racista e antissemita encontrada em Mein Kampf, o capital estrangeiro minava as potências criadoras presentes na alma do povo alemão “puro”, que vinha se tornando fraco e servil. Esta ideia pode ser confirmada no seguinte trecho do livro: “O que a chamada imprensa liberal fez antes da Guerra foi cavar um túmulo para a nação alemã e para o Reich. Não precisamos dizer nada sobre os mentirosos jornais marxistas. Para eles o mentir é tão necessário como para os gatos o miar. Seu único objetivo é quebrar as forças de resistência da nação, preparando-a para a escravidão do capitalismo internacional e dos seus senhores, os judeus”.
O nacionalismo exacerbado de Hitler conduzia a Alemanha não exatamente ao isolamento total em relação ao liberalismo econômico ou ao capitalismo, mas ao controle total das empresas alemãs por cidadãos arianos. Esta concepção difere em princípio do modelo de economia planificada do socialismo da época, onde o partido comunista tinha o controle dos meios de produção. Assim, a economia nazista não era centralizada como a socialista, mas controlada por aliados “puros” do partido. Não seria absurdo deduzir que as economias nazista e socialista da época eram bastante diferentes, mas que o modelo atual de economia socialista (particularmente a chinesa) muito se aproxima do modelo nazista. O capitalismo em sua essência não seria nem aliado nem inimigo do regime nazista, mas um de seus instrumentos de manutenção.
Outro ponto de falta de entendimento está presente nas seguintes questões: desarmamento civil, regime totalitário e caráter expansionista. Estes são pontos que unem o socialismo ao nazismo, mas não porque estas sejam características fundamentais daquelas ideologias, mas porque são parte do modus operandi e veículos de consecução de seus fins pretendidos. Quando se faz a correlação entre nazismo e socialismo utilizando esta base argumentativa, há um claro desconhecimento das relações de causa e efeito. Desarmamento civil, regime totalitário e caráter expansionista são ferramentas usadas por regimes ditatoriais e não suas causas.
Se não nos é possível ligar o nazismo ao socialismo nem ao capitalismo (esquerda ou direita) utilizando suas definições clássicas, nos resta perguntar, afinal o que foi o nazismo? A resposta possível para o momento não é nova: uma terceira via que se apresentava como opção aos efeitos calamitosos do socialismo e ao domínio efetivo do capital internacional.
Para conquistar com êxito o objetivo de reconstruir um Estado alemão sólido e forte como recitado em seus mitos fundadores, foram utilizadas estratégias bem definidas, sob a mão pesada de seu líder (führer). O nazismo de Hitler criou um estado totalitário, que desarmou sua população civil, que moldou sua juventude em câmaras de eco ideológicas, que expurgou a sociedade de seus críticos, que alimentou a figura do chefe máximo do Estado, que usou da propaganda para reforçar a ideia de grandeza nacional, que tornou a economia em títere ideológico e que pretendia expandir seus limites criando uma grande pátria. Para um leitor desavisado que lesse apenas este parágrafo, a conclusão de que nos referíamos a qualquer governo de esquerda da atualidade, tanto no Brasil quanto em seus vizinhos latino-americanos seria óbvia. Não, nos referimos ao regime nazista alemão dos anos 30 e 40 do século XX.
O nazismo não era filho da esquerda ou da direita, mas a terceira via. Para tantos que fazem relação entre o nazismo e qualquer ideologia de sua época, solicitamos revisar seus conceitos e conclusões.
Por fim, se acaso o leitor identificou semelhanças entre a esquerda pós Segunda Guerra Mundial, em especial a atuante no momento que vivemos e o nazismo, parabéns!