Comte

Comte

A face do anticristianismo tecnocrata

Não sou positivista, o positivismo afirma que o que não pode ser observado não existe. Essa concepção é cientificamente indefensável, porque é impossível tornar válidas afirmações sobre o que as pessoas podem, ou não podem, observar. Seria preciso dizer que apenas o que observamos existe, o que é obviamente falso” (Albert Einstein)

“De acordo com esta doutrina fundamental, todas as nossas especulações estão inevitavelmente sujeitas, assim no indivíduo como na espécie, a passar por três estados teóricos diferentes e sucessivos, que podem ser qualificados pelas denominações habituais de teológico, metafísico e positivo, pelo menos para aqueles que tiverem compreendido bem o seu verdadeiro sentido geral. O primeiro estado, embora seja, a princípio, a todos os respeitos, indispensável deve ser concebido sempre, de ora em diante, como puramente provisório e preparatório; o segundo, que é, na realidade, apenas a modificação dissolvente do anterior, não comporta mais que um simples destino transitório, para conduzir gradualmente ao terceiro; é neste, único plenamente normal, que consiste, em todos os gêneros, o regime definitivo da razão humana.” (Auguste Comte, Discurso Preliminar Sobre o Espírito Positivo).

O joguinho de palavras mequetrefe de Comte consegue disfarçar sua verdadeira intenção diante de um público vaidoso com o que pensa que sabe. Tecnocratas enrustidos, entusiastas da “reserva de domínio intelectual” e, por fim, pasmem, apaixonados pelo socialismo científico, aquele troço que fez do empirismo o palhaço Pennywise. Mas vou deixar essa discussão para análises futuras.

Vou me ater à obsessão que todo tipo de ideologia nascida após a Revolução Francesa em desconstruir a fé identitária do Ocidente Judaico-Cristão. Aliás, Comte era francês e nasceu durante a… Revolução Francesa. Ora, a iconoclastia religiosa é divisa incontestável do progressismo revolucionário. E assim como Marx elegeu a fé judaico-cristã como a “droga” que deve ser suprimida (termo que ele usou) da sociedade, Comte, por sua vez, se ocupou em tornar o que ele chama de “especulação teológica”, a mais básica, inútil e dispensável ao indivíduo que, segundo ele, deve agir pela razão. Em outras palavras, Comte diagnosticou que quanto mais eu especulo (penso, reflito, discuto, debato, raciocino) tendo como base prioritária a minha fé, mais longe da razão estou. Pensa um pouco, tem ou não tem parentesco com a mesma leva que gerou a doutrina marxista?

Pois é.

Sejam bem-vindos ao positivismo. Mais um inimigo daquilo que é a única razão de ainda existirem sociedades civilizadas no planeta: a fé.

No primeiro capítulo de “Superioridade Mental do Espírito Positivo” (atentem para o título, ele realmente achava que podia definir o que era “mentalmente superior”, mesmo depois de centenas de mentes melhores e maiores do que a dele já terem discorrido sobre isso), capítulo, aliás, que traz em seu título, contraditoriamente, o termo “espírito” (Comte, como Descartes, se apropriava de conceitos que ele considerava supérfluos quando considerava pertinente, pelo menos foi o que denunciou Pascal, de quem não ouso duvidar), em seu primeiro tópico, que ele batiza carinhosamente de “Estado teológico ou fictício”. Sim, é o que você está pensando…

Temos exatamente a mesma estrutura dialética, por exemplo, em “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, escrita por Karl Marx entre 1843/1844. Assim como Comte, Marx (ou vice-versa), elege o ponto de partida daquilo que sem dúvida é o grande entrave para a implantação de todas as ideologias que surgiram ou foram cristalizadas após a malfadada Revolução Francesa: o cristianismo. Mais especificamente a tradição judaico-cristã. Comte chama a abordagem teológica de “surto” e joga na mesma vala comum a fé ancestral com manifestações fetichistas e astrologia. Obviamente mais um boçal falando do que não entende e distorcendo a própria análise. O que Comte chama de “surto” ou “especulação”, Marx, também na introdução do texto retro citado, fala de elementos da fé ancestral como “realidade fantástica”, “felicidade ilusória” e conclui que para o homem ser verdadeiramente feliz a religião deve ser “suprimida” (palavras dele).

É interessante que Marx advoga o socialismo “científico”, enquanto Comte submete todo o seu arcabouço analítico à… “ciência”. E desta forma ambos desconstroem cirurgicamente qualquer ingerência da “Lei Natural”, posto que, materialistas que são, não podem aceitar que, para existir uma “Lei Natural”, seria necessário existir um legislador por trás dela. E ao final ambos vendem o que não podem entregar: o céu na terra, porque, obcecados pela “matéria” e alijados de uma vida espiritual sadia, por motivos variados que a biografia de cada um deixa público e notório, eles percebem que suas psicopatias não têm como sobreviver sem que aquilo que é a raiz transcendental do homem seja extirpado do (in)consciente coletivo da humanidade.

A fé judaico-cristã é um problema para todas as distopias pensadas e pesadelos totalitários sonhados, desde o Império Romano. Infelizmente os homens evitam se perguntar o porquê de tanta perseguição e opressão, porque sabem que as respostas porão abaixo suas convicções materialistas e, com elas, suas decepções existenciais, no que encontram em homens como Comte, Marx, Nietsche e outros, palavras de conforto para suas noites vazias.

Em ambos os casos – ou em mais do que eles – o fim da linha é um monstro tecnocrata, ateu e preso a “lockdowns”, que uso como metáfora para ilustrar a tal da “ciência”, aquela que se impõe, mas na prática não funciona e, como aquilo que ela subsidia, promete o que não pode entregar. Marx e Comte prometeram entregar um mundo perfeito baseado na superioridade mental de seus sistemas “científicos”. Teve gente que comprou a ideia. O interessante é que os que chegaram ao poder defendendo os conceitos dessa dupla, na maioria das vezes não fez por superioridade mental, mas por superioridade das armas, da agressão, da corrupção e da guerra., sendo que no final o que se quer é enriquecer a elite dominante.

Para quem defende que em mundo real não há ideologia porque no final o que interessa é o lucro, eu pergunto: “E o que eles usam para atingir o intento final?”. Não, não façam isso… Vocês estão mais atrapalhando do que ajudando.

O que mais me preocupa é que tanto Comte como Marx criaram, ao seu modo, “religiões” baseadas em conceitos sofísticos, que supostamente partem de pressupostos legítimos para em seguida dogmatizar o trato social, preenchendo o vazio existencial dos homens como uma fé criada por homens que não valiam o que seus gatos enterravam. Nesses sistemas religiosos, como diz Bobbio, a norma é um comando. Ou vocês acham que a besta fera chamada “Juristocracia” nasceu de chocadeira?

Em suma, mas um lixo ideológico travestido de corrente filosófica, alijado de Deus e daquilo que dá sentido ao mundo. Fico imaginando Platão, de sua cadeira no Hades, dando gargalhadas do que fizeram com sua “República”.

O positivismo é tão anticristão quanto o marxismo” (Olavo de Carvalho)

Tenho me atido ao “Discurso sobre o Espírito Positivo” por ser a obra de transição entre “Curso de Filosofia Positiva” e “Uma Visão Geral do Positivismo”, duas obras que tratarei na sequência. Até pensei em fazer um minicurso sobre essa bobagem toda, mas estou meio que sem tempo. Enfim, nada muito profundo, até porque são obras rasas, quase panfletárias. Esse “Discurso” aqui, por exemplo, é de uma superficialidade que só encontra eco em “A Origem da Família” de Engels. Mas com o tempo vocês entenderão que tipo de mente o pensamento de Comte atrai. Não são personalidades muito diferentes daquelas que são atraídas pelo marxismo. De fato, chega até a haver um padrão entre elas. Mas vamos ao texto.

“Na terceira fase teológica, o monoteísmo propriamente dito dá começo ao inevitável declínio da filosofia inicial. Esta, embora conserve por dilatado tempo grande influência social, contudo mais aparente ainda do que real, sofre desde então rápido decréscimo intelectual, como consequência espontânea desta simplificação característica pela qual a razão, unificando os deuses, restringe cada vez mais o domínio anterior da imaginação e permite desenvolver gradualmente o sentimento universal, ainda quase insignificante, da sujeição forçosa de todos os fenômenos naturais a leis invariáveis. Sob formas mui diversas e até radicalmente inconciliáveis, esta fase extrema do regime preliminar persiste ainda, com energia muito desigual, na imensa maioria da raça branca; mas ainda que seja assim mais fácil de ser observada, as próprias preocupações pessoais acarretam hoje um obstáculo muito frequente à sua judiciosa observação, por falta de uma comparação suficientemente racional e justa com as duas fases precedentes.”

Leia com calma. É fácil identificar o alvo. Comte parte de uma análise antropológica da fé, traçando a linha fetichismo – politeísmo – monoteísmo, cometendo o mesmo erro calculado de Engels ao falar das origens das instituições humanas ancestrais: deixando os hebreus de fora da equação, ainda que de forma subliminar. Como é possível traças qualquer tipo de origem civilizada e deixar de fora a crença monoteísta mais antiga do mundo? É possível por dois motivos: ou é necessário que isso seja feito, com o intuito de esvaziar argumentos contrários, ou porque na verdade não se sabe nada do que se está tentando explicar. Suspeito que no caso de Comte, assim como de Engels, sejam as duas coisas: mau caratismo somado a desonestidade intelectual, o que é típico de quem constrói sistemas materialistas que prometem o céu na terra. Mircea Eliade trata disso no magistral “Tratado da História das Religiões”, mas ficaria muito extenso aqui, então vou deixar para outra oportunidade.

O monoteísmo é o extremismo praticado por homens brancos e, finalmente ele admite, um obstáculo. Não se iluda, Comte não está mirando TODO o monoteísmo, seu problema é, nos moldes marxistas, a tradição judaico-cristã. Basta observar com um pouquinho de calma, que se verá que tanto o marxismo como o positivismo, de alguma forma, cada um seu modo, alijam o Criador do dia-a-dia do homem, provocam sectarismo étnico, e terminam em um tipo de tecnocracia tocada por gente que, naturalmente, alijada do Criador e sectária por osmose, praticam um tipo estranho de elitismo blasé e prepotente, que as faz pensar que são detentoras de todas as respostas. É só dar uma olhada para toda a classe intelectual parida em ambiente socialista do século XIX pra cá. Rasa, superficial, agnóstica, ateia e espiritualmente perturbada, mas sempre num pedestal, se achando o supra sumo da intelligentsia intergaláctica. Isso é marxismo. E é positivismo, também. É só olhar em volta. Continuemos.

Equivocadamente, Comte trata fetichismo – politeísmo – monoteísmo, como uma espécie de evolução. Começa no primeiro, termina no segundo. É claro que ele não desenvolve esse raciocínio porque não tem como. Ele não é minimamente plausível como padrão, e pior, essa ordem já foi alterada em momentos distintos da história. O que ele faz é usar um recurso típico falacioso, que é criar um espantalho para justificar outro. Marx chama aqueles que creem de “drogados”. Comte chama de fundamentalistas preconceituosos. Percebam como das duas acusações, qual está mais presente atualmente nas teorias críticas progressistas. Há muito não me chamam de “dopado” pela religião, mas acusações de sectarismo e fundamentalismo leio todo dia, aqui e ali. Obrigado, gênio.

Me perguntam constantemente o porquê dessa ojeriza organizada e sistemática contra a fé ancestral do ser humano. Eu respondo sempre com outra pergunta: “Por que vocês acham que boa parte da humanidade não só não percebeu isso, com abraçou essas teses?”. É simples.

Assim como geocentrismo e heliocentrismo um dia disputaram lugar central na astronomia humana, o teocentrismo e o antropocentrismo vêm se debatendo subliminarmente no inconsciente coletivo da criação desde sempre. Não é uma história e nem Marx nem Comte a inauguraram. Ela vem de Ninrode, passa pelo Egito, desembarca na Grécia, se espalha pelo Império Romano e naturalmente toma conta do pensamento europeu, Humanismo e Iluminismo nada mais são do que releituras antropocêntrica sofisticadas do que o homem busca desde que as águas do dilúvio baixaram: um vida livre, leve e solta dos ditamos do Criador. O perfil dessa turma é padrão, desde o Faraó até os “elitistas intelectuais” dos dias atuais: não suportam ter que resolver problemas dialéticos com Deus na equação, colocando-o num cantinho à parte da história, quietinho, onde ele, o Criador, não deve se meter em nada, tipo um objeto decorativo, quando não negam filosoficamente a sua existência ou essência como fazem os filósofos germânicos materialistas; colocam toda a sua “fé” na razão humana, desde que esta razão esteja de acordo com suas conveniências. Um dos mais engraçados era Rousseau, um homem atormentado, basta ler, por exemplo, sua “Carta ao Padre Raynal” (é claro), escrita em 1751. Ele esbravejava ao mesmo tempo contra a propriedade privada e contra o que ele chamou de “quimeras da filosofia”. Sua obsessão pela “ciência” é a de aspecto “natural”, mas ele, ao contrário do que reconheceram Pascal, Leibniz e Kierkegaard, finge não ter que explicar que a natureza é algo pré-ordenado desde sempre, para escapar de Deus pela tangente como fez Descartes. Ele diz “Se inteligências celestiais cultivasse as ciências, disso só resultaria o bem”. Ué.

Primeiro os homens devem responder às perguntas: “Por que tanto esforço em tirar Deus do lugar que sempre ocupou? Por que Ele incomoda tanto? E por que mesmo quem supostamente crê em suas existência abraças escolas de pensamento que o rejeitam com Senhor do universo?”

O problema está no homem e o que as Escrituras ancestrais falam sua natureza. Essa criaturinha fraca, que mal consegue cruzar um século com vida, medrosa, oscilante, cheia de traumas e complexos, vazios e frustrações, consegue ser também vaidosa, prepotente, orgulhosa e perturbada. E por isso Deus precisa ser extirpado de sua vida prática, acadêmica, intelectual e racional, porque é ele – Deus – quem sempre nos lembra das nossas limitações e incapacidades. Quando os homens criam sistemas ou ideologias que vendem a ideia de que não precisamos de Deus para nada, a noção de céu, porvir ou salvação é implodida, e com ela todo o alicerce ético e moral que possa existir. Os homens tomam o lugar e Deus ou, na verdade, dos “deuses”, e passam a adorar-se mutuamente, mantendo uma espécie de “hierarquia divina” baseada em conhecimento humano, um tipo de “Olimpo tecnocrata” formado por “diplomatólatras” ou “certificadólatras” que fariam um gênio de verdade como Newton dar risadas. Logo ele, que passou os últimos anos de sua vida estudando as Escrituras. Aliás, recomendo sua leitura do Livro de Apocalipse. Newton não era teólogo, não tinha formação teológica, nem diploma de teologia, mas no tempo dele o que valia era o resultado final da produção intelectual, o corpo do texto, o centro do pensamento. Hoje eu não posso reclamar da voz de Pablo Vittar porque não cursei faculdade de música. Pobre Newton, seus escritos teológicos seriam ridicularizados nos dias atuais pelos iluminados do século XX/XXI.

Concluo. Observem que tipo de sociedades pariram Marx e Comte. Observem os perfis de seus líderes, entusiastas e defensores. Não será difícil encontrar o padrão. No final absolutamente todos se resumem àquele pombo fazendo vocês sabem o que, no tabuleiro de xadrez. Não há, em nenhum dos casos, absolutamente, uma melhora perceptível naquilo que é essencial, que é a natureza humana. Não questionem o porquê de insanidades como comunismo e progressismo estarem tomando conta do mundo. Ao invés disso procurem as origens dos pensamentos que alimentam suas ideias centrais, Vocês acham mesmo que a perseguição aos direitos elementares do homem, como vida e propriedade, nasceram após a Revolução Francesa? Que essa ideia diabólica de um Estado tutelar as nossas crianças ao arrepio da autoridade dos pais é de agora? Que ideologia de gênero é coisa de teoria crítica do século XX? É óbvio que não, mas a intelligentsia pós moderna finge não ver isso para não mexer com seus “queridinhos” de Atenas pra cá. É uma linha. Longa, extensa e ininterrupta, e que levará a humanidade ao caos, à barbárie e ao declínio absoluto, enquanto os homens estarão se agarrando em seus livros, bibliografias, diplomas, certificados, láureas, canudos e toda a sua soberba intelectual que não servirá de nada na eternidade, quando deveriam estar orando.

Já dizia o homem mais sábio de todos os tempos: “Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.” (Eclesiastes 1:2).

Texto veiculado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. II N.º 31

Leia também o artigo: A velha nova desordem mundial do autor Neto Curvina

Sobre o autor

Neto Curvina

Ministro do Evangelho, teólogo, escritor e educador. Autor de “A Velha Desordem Mundial: a teologia do caos”.

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BIOGRAFIA

Leandro Costa

Servidor público, advogado impedido, professor de Direito, Diretor Acadêmico do projeto Direito nas Escolas e editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania.

Defensor de uma sociedade rica em valores, acredito que o Brasil despertou e luta para sair da lama vermelha que tentou nos engolir. Sob às bênçãos de Deus defenderemos nossa pátria, família e liberdade, tendo como arma a verdade.

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