Por Alexandre Meinberg Ceroy
Albert Einstein, certa vez, disse que seu ideal político era a democracia, para que todo homem seja respeitado como indivíduo, e nenhum venerado.
Nos últimos tempos a palavra democracia passou a repercutir em inúmeras discussões, principalmente quando o assunto é uma suposta crise entre poderes.
Muito se está fazendo, inclusive com o afastamento de normas constitucionais claras, com a justificativa de que tais ações seriam para defender a democracia.
Por isso a pergunta do título: quem realmente defende a democracia?
Bom, para início de conversa já poderíamos responder com um grande e sonoro NINGUÉM!
A impessoalidade há de ser a regra em uma república democrática, de forma que ninguém haveria de se arvorar a condição de defensor de nada.
O que supostamente garantiria algo, na democracia, seriam as instituições.
Porém, nestes sombrios tempos jurídicos, o que vemos é uma extrema pessoalização das instituições, que reverbera não somente nos nortes que tais instituições tomam, mas principalmente nas
pessoas que atingem, incluindo-se não somente os membros dessas instituições, quanto também populares.
E é sobre referidas pessoalizações que retornamos à pergunta do título.
A resposta, que deveria estar na ponta da língua de qualquer cidadão, mostra-se extremamente tormentosa neste caudaloso e conturbado ambiente constitucional de nosso país.
Para melhor explicar àqueles que não são da área jurídica, inicialmente há de analisarmos o que é a democracia.
Para sermos bem simplistas, citamos o conceito de democracia trazido pela Wikipédia: democracia é um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente ou através de representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder da governação através do sufrágio universal.
Democracia é, basicamente, o regime político em que a soberania é exercida pelo povo.
Como no atual contexto social a democracia direta (aquela em que o próprio povo, pessoalmente, exerce a sua soberania) resta impossível, a democracia representativa passou a ser a regra. Na democracia representativa o poder continua a pertencer ao povo, mas é exercido por meio de seus representantes eleitos: Prefeitos, Vereadores, Deputados Estaduais, Federais e Distritais, Governadores, Senadores e o Presidente da República.
Não precisa ser especialista em política para facilmente concluir que, na democracia, espelhada encontra-se a vontade da maioria.
Nesta seara, onde encontra-se então o Poder Judiciário?
Ora, se formos analisar friamente o conceito de democracia, o Poder Judiciário – independentemente de sua extrema necessidade, importância, e integração à tripartição de Poderes na ótica montesquiana – não seria uma instituição democrática.
Não confundamos os conceitos de Poder Constitucional – o que, indubitavelmente, o Poder Judiciário é – com instituição democrática.
Apesar de estarmos na seara simplista, somente para explicarmos um ponto de vista, temos plena consciência que a discussão é muito mais profunda e, evidentemente, numa análise principiológica e prática, poderíamos bem concluir que, pela indispensabilidade do Poder Judiciário para a manutenção da democracia, de alguma forma temos de considerá-lo como uma instituição democrática.
Porém, temos casos claros de situações onde o Poder Judiciário, muitas vezes por situações anômalas, é partícipe de governos totalitários.
Relembremos o ano de 1933 quando, logo após assumir o poder total na Alemanha nazista, Hitler passou a expurgar membros do Poder Judiciário que não alinhavam-se ao novo regime, extirpando da vida pública aqueles magistrados que, por suas origens ou posições, mostravam-se adeptos à aplicação de preceitos normativos que não coadunavam com o entendimento do chefe da nação. A partir de então, o Poder Judiciário Alemão passou a comportar-se como uma mera extensão do regime, o que facilitou não somente a aprovação quanto também a plena aplicação dos vindouros diplomas legais que ficaram conhecidos como as “leis de Nuremberg” (1935), que incluía a “Lei de Cidadania do Reich” e a “Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemã”. O resultado é conhecido de todos.
No ano de 2016, o Estado Turco simplesmente afastou 2.745 juízes por supostamente participarem de planos para a deposição do presidente Tayyip Erdogan. Será que os juízes remanescentes continuaram a ter plena liberdade para atuação?
Caso mais recente pode ser verificado na Venezuela, onde juízes são exonerados dos cargos e presos pelo simples fato de não amoldarem-se ao que deseja o Poder Executivo, havendo inclusive a notícia de juízes presos por simplesmente decidirem de forma que não agrade o Presidente. Aliás, é de bom alvitre ressaltar, no ano de 2017, entre os 33 integrantes da Suprema Corte Venezuelana, oito residiam em embaixadas de países latino-americanos.
Finalizamos o exemplo com a situação do Afeganistão, onde após a retomada do Poder pelo Talibã, os Tribunais Islâmicos retornaram como uma extensão do regime.
Exemplos tais demonstram que, por vezes, o Poder Judiciário pode ser um mero instrumento de manutenção de governos totalitários.
O mesmo podemos dizer das Forças Armadas. Ora, não há qualquer membro das forças armadas, em praticamente nenhum regime democrático, que de algum forma é eleito por sufrágio universal.
No entanto, as mesmas Forças Armadas que, em alguns regimes, é a garantidora da democracia, pode ser anomalamente usada para a manutenção de regimes não democráticos. Tudo depende do contexto em que são empregadas.
E vamos além: os próprios órgãos policiais podem também ser considerados como ora garantidores da democracia, ora como mantenedores de regimes de exceção.
Assim, a consideração de uma instituição como “democrática” vai muito além de sua mera configuração jurídica, dependendo umbilicalmente do contexto em que encontra-se posicionada em determinada nação, em determinado momento histórico e, principalmente, do comportamento de seus membros.
Mas, um momento! Se já tivemos a oportunidade de narrar que a impessoalidade deve ser a regra e que a pessoalização não coaduna com a democracia, como sustentar que o comportamento dos membros de determinada instituição possa moldar o seu caráter democrático?
Nisto reside a maturidade ou não de determinada democracia.
Numa democracia suficientemente madura, o agir antidemocrático de um membro de qualquer instituição imediatamente faz ligar os mecanismos de defesa dessa democracia.
Esses mecanismos incluem, internamente, desde a imputação de responsabilidade por eventuais atos antidemocráticos, quanto também a punição extrema de extirpação da vida pública.
Quando tais mecanismos de controle interno não funcionam, entra em cena o sistema de freios e contrapesos, cabendo a outros Poderes, que se fiscalizam e controlam mutuamente, exercer o retorno aos limites impostos pela Constituição e pelas Leis.
Se, ainda assim, esse sistema falhar, há em nossa Constituição a possibilidade da intervenção das Forças Armadas, a quem cabe a função precípua de garantir os poderes constitucionais e, ainda, a Lei e a ordem.
Portanto, não somente os poderes, nesta ótica, hão de ser considerados como instituições democráticas.
Ainda que assim consideremos, não podemos olvidar que, pela ausência de legitimação popular, o Poder Judiciário é, dentre os Poderes da República, o menos democrático.
Ora, o Poder Judiciário, principalmente por meio de sua corte Suprema, é recorrente em qualificar-se como contramajoritário. Assim o fazendo, deslegitima mais ainda a sua qualidade de democrático.
Como esperar que um Poder exercido por membros não eleitos, que vai de encontro e afasta – recorrentemente – a vontade da maioria da população consubstanciada nas leis aprovadas por seus representantes eleitos, possa ser considerado democrático?
Na visão de Thomas Jefferson, um dos principais autores da Declaração de Independência dos Estados Unidos, caberia ao Poder Judiciário somente a garantia de direitos, mas nunca a atribuição de benefícios.
O ex-presidente norte-americano tinha que o conceito de direito relacionava-se umbilicalmente com prestações negativas por parte de terceiros, ou mesmo do próprio Estado. Para se fazer valer o direito à vida, por exemplo, não haveria a necessidade, em regra, de nenhuma prestação positiva (ação) por parte de qualquer pessoa ou instituição. Bastaria que esses, agindo negativamente, não atentassem contra a vida de ninguém.
O que, em teoria, exigisse uma prestação positiva (uma ação propriamente dita) não poderia ser encarada como direito, mas sim como benefício. É o caso, por exemplo, da Constituição Federal Brasileira que outorga a todos o “direito” de assistência à saúde. Para a consecução desse “direito”, há a necessidade do Estado manter toda uma estrutura de assistência (basicamente, o sistema único de saúde – SUS) às expensas dos suados impostos do cidadão. Na ótica Jeffersoniana, tal “direito” não seria, propriamente, um direito, ainda que previsto em Lei. Tal seria um benefício.
Neste contexto, caberia ao Poder Judiciário somente defender e assegurar direitos, agindo peremptoriamente para que ninguém – cidadão ou Estado – atente contra ou afaste qualquer direito previsto em Lei e, principalmente, na Constituição. É o Judiciário, enquanto Poder do Estado, que garante
a aplicação da Lei. É nessa ótica que o Poder Judiciário pode ser considerado como uma instituição democrática.
Porém, não caberia a este Poder conceder, ampliar ou criar benefícios, ou mesmo criar leis abstratas e gerais. Assim o fazendo, a respeito da vontade da maioria consubstanciada na aprovação de leis editadas por seus representantes eleitos (ou mesmo na omissão da aprovação de determinada lei que não espelhe a vontade popular), está sim agindo o Poder Judiciário como uma instituição não democrática.
Mais antidemocrático ainda é quando o próprio Poder Judiciário, defensor último da Constituição, age em desacordo com ela.
É nesse quesito que residem os limites da jurisdição.
Evidentemente que essa discussão, aqui trazida de simplória forma, é muito mais profunda, eis que entre direitos e benefícios há um imenso campo cinzento. O artigo, no entanto, não permite esse aprofundamento.
Mas resta patente que o Poder Judiciário brasileiro, por intermédio de um ululante ativismo judicial, encontra-se recorrentemente agindo de forma antidemocrática.
Portanto, não podemos responder a pergunta do título caso o leitor espere que a resposta relacione-se a uma pessoa ou a uma instituição.
A manutenção da democracia ocorre quando o povo, mantendo o seu poder – ainda que meramente representativo – alicerce a plena possibilidade de extirpar da vida pública aqueles agentes que não agem como se espera.
A higidez de um sistema normativo democrático está intimamente ligado à plena e imediata possibilidade da utilização dos sistemas de controle.
Por isso não há especificidade em imputar somente a determinada pessoa ou instituição a defesa da democracia.
A democracia, enquanto ideal de uma nação, há de estar viva e pulsante dentro das mentes e corações do povo.
Uma nação verdadeiramente democrática não necessita confiar a garantia da manutenção de suas liberdades democráticas a ninguém.
O verdadeiro perigo é quando um povo, entorpecido por discursos ideológicos, afasta-se do conceito de democracia para tentar imputar a uma maioria silenciosa as inclinações de uma minoria barulhenta.
Essa “ditadura” da minoria, potencializada por instituições que agem de forma antidemocrática, não coaduna minimamente com o conceito de democracia.
Justamente por tais razões, mostra-se premente a necessidade do povo utilizar-se da maior das prerrogativas que a democracia lhe possibilita – o exercício do voto – para a mantença dessa própria prerrogativa.
Benjamim Franklin certa vez disse que
“aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança”.
Podemos fazer uma analogia a essa frase, para dizer que aqueles que abrem mão do cumprimento da Constituição em nome da Democracia, não merecem nem a Constituição nem a Democracia.