Sebastianismo

Sebastianismo

À espera de um Messias

O “Desejado”, o “Encoberto”, o “Adormecido”, o “Encantado”, ou ainda de modo oficial D. Sebastião I de Portugal. A breve história do homem, do jovem monarca e do mito, nascido em Lisboa a vinte de janeiro de 1554 é o tema deste artigo. Aquele que encarnando as melhores esperanças de um povo, se lançou à frente de suas tropas no campo de batalha em Alcácer Quibir (Marrocos) e… Vejamos antes como tudo começou.

O rei de Portugal, D João III, filho mais velho de D. Manuel (o “venturoso”), casado com Catarina de Áustria, gerou nove descendentes legítimos e outros quatro antes de seu casamento, assim sendo, bastardos. Nada mais alvissareiro para um rei que uma prole extensa. Todavia, quis o destino que el-rei testemunhasse a morte de cada um de seus herdeiros, um a um ainda na infância ou mal chegados à puberdade. No ano de 1552, D. João III já perdera oito de seus filhos e filhas, restando apenas João Manuel seu príncipe herdeiro, sobre quem restavam depositadas todas as esperanças de manutenção dinástica de sua família. Sua esposa Catarina já contava quarenta e cinco anos e possivelmente já encerrara seu período de fertilidade.

Por outro lado, D. João III viu morrer quase todos os seus onze irmãos e irmãs, restando apenas o Cardeal Henrique I, que por sua condição dentro da hierarquia católica não proveria herdeiros para o trono e, Maria (Duquesa de Viseu), que era em 1552 a segunda na linha sucessória.

Tal era o caráter de urgência em que vivia Portugal.

Assim, em 1552 o jovem príncipe João Manuel, com apenas quinze anos foi levado a se casar com Joana de Áustria. Deste casamento nasceu Sebastião em vinte de janeiro de 1554, o que trouxe ares de esperança e continuidade à Dinastia de Avis. Mas eis que mais uma vez o destino pregou uma peça ao povo português. Aquele ano de 1554 não foi muito pródigo de boas notícias para os portugueses. Dezoito dias antes do nascimento de seu filho, o príncipe João Manuel morreu, supostamente de tuberculose (ou por complicações da diabetes). As esperanças se mantinham agora sobre o príncipe Sebastião.

Em 1557 morreu o rei D. João III e o príncipe menino se tornou rei… Apenas um menino, tendo três anos incompletos. Em razão de sua pouca idade, Portugal foi regido por sua avó Catarina de Áustria, até que ela morresse em 1562. Infortúnios em série, muito ainda estava reservado ao aflito povo português. Finalmente chegara a vez do Cardeal Henrique I assumir a regência de Portugal, o que o fez até 1568 quando as Cortes proclamaram a maioridade do jovem rei, que passou a se chamar D. Sebastião I.

Em 1577 morreu Maria, tia do jovem rei Sebastião I. Agora todas as orações portuguesas se dirigiam em votos de saúde e longevidade aos dois últimos representantes de Avis.

O jovem rei cresceu cercado de esperanças e promessas de grandeza para seu povo e seu país. Àquele tempo, D. Sebastião possivelmente se via impelido a manter o poder e a riqueza que seus ancestrais haviam conquistado ao redor do mundo. Suportando sobre si o peso da responsabilidade que o destino lhe impusera. O jovem demonstrava a impetuosidade da juventude, resvalando na inconsequência. Era atraído por caçadas, navegação, treinamentos militares e tantos outros pendores que exigissem bravura.

D. Sebastião foi educado e esteve permanentemente cercado pelos jesuítas. A disciplina, o senso de dever e o profundo fervor religioso constituíam sua persona. Sua cosmovisão, associada às características já descritas anteriormente, faziam do jovem rei de Portugal um tipo que se postava acima das opiniões contrárias às suas crenças interiores, movido por sua bravura e guiado pela fé. Excelentes características pontuais para um rei, mas que estando reunidas poderiam dar espaço a uma tragédia épica. E assim foi.

Em 1574 os turcos otomanos conquistaram Tunes (Tunísia), consolidando o controle de quase todo o norte do continente africano, restando o Marrocos para completar o domínio. O sultão Mulei Moluco, apoiado pelos turcos, conseguiu conquistar o Marrocos vencendo seu sobrinho, Mulei Mohammed. O Marrocos era àquele tempo um ponto de interesse comercial para Portugal e baseado neste fato, o sultão deposto solicitou ajuda de Portugal para retomar sua posição. O pedido de ajuda do sultão Mulei Mohammed era extremamente arriscado. Os custos, os riscos e as perdas, comparadas às vantagens apresentadas não tornavam a empreitada inspiradora, mas não para D. Sebastião I. Movido pelo desejo de honrar a glória de seus antepassados, e possivelmente temeroso da abertura de uma porta de acesso dos muçulmanos à Península Ibérica, via Estreito de Gibraltar, em sua visão era necessário impedir o avanço dos infiéis muçulmanos, resguardar a prosperidade de seu reino e defender a fé cristã.

De nada serviram os aconselhamentos de seu tio, o Cardeal Henrique I, nem mesmo os pedidos de sua mãe, ou a questão sucessória delicada, tampouco as responsabilidades para com seus súditos, nada desviou D. Sebastião I de seu objetivo glorioso. As cortes também pareciam interessadas em preservar os interesses comerciais, era suficiente. Assim, D. Sebastião buscou apoio militar do rei de Espanha, Felipe II (o “Prudente”). A fé católica se encontrava ameaçada no Marrocos e algo semelhante a uma Cruzada seria necessário para impedir o avanço dos infiéis. Seu pedido foi recusado por motivos óbvios, apesar de ser um fiel defensor da fé católica, para Felipe II ficou claro que à Espanha não havia interesses que sobrepujassem as riquezas da América.

Em fins de junho de 1578, reunidos mais de 20.000 homens, contando em torno de 40 canhões, a expedição partiu de Lisboa. Concluída a etapa marítima, iniciaram a longa e exaustiva caminhada rumo ao interior marroquino. As peças de artilharia se demonstraram um primeiro (e pesado) obstáculo, visto que transportar em carroças o peso dos canhões sobre as areias do deserto se tornou algo praticamente impossível. O calor, a limitação de água e víveres, a longa jornada, a desorganização, pouco treinamento, disputas internas, tudo conspirava para o insucesso da empreitada. Enfim, em quatro de agosto de 1578 as forças portuguesas e aliadas se encontraram frente a seus adversários em Alcácer Quibir, no Marrocos. Mais de quarenta mil homens, alimentados, hidratados, descansados e, muitos deles portando arcabuzes, aguardavam as forças portuguesas e aliadas. Pouco mais de quatro horas apenas, foi o tanto necessário para finalizar a batalha. Teriam os portugueses alcançado a improvável vitória, liderados pela inabalável fé de D. Sebastião I?

Segundo testemunhos de época, dados por nobres e fidalgos, a batalha foi finalizada sem que qualquer das partes tenha-se dado como vitoriosa. D. Sebastião supostamente fora avisado em dado momento, no calor da batalha, sobre a necessidade de recuo, ao que ele teria respondido “Senhores, a liberdade real só há de se perder com a vida”, avançando em seguida para o centro do combate à frente de seus homens. Esta teria sido a última vez que D. Sebastião I de Portugal foi visto com vida. Do lado português, foram mais de nove mil mortos e milhares de sobreviventes cativos. Outros tantos fugiram e conseguiram retornar a Europa. A partir deste ponto uma série de histórias foram sendo contadas pelos sobreviventes, que pouco a pouco retornavam a Portugal. Alguns diziam ter visto o rei vivo mesmo após o fim da luta; outros garantiam que o rei se retirara estrategicamente para evitar ser capturado, dizia-se que o rei estava preso, mas, nenhuma testemunha afirmou peremptoriamente ter visto o rei morto. Este fato deu início às lendas que acompanham ainda hoje o nome e a história de D. Sebastião I.

Uma possível explicação para a ausência de testemunhas da morte do rei, poderia ser obtida invocando a antiga ética cavalheiresca. Era sinal de profunda desonra para um nobre ver seu rei morrer sem antes dar sua própria vida em seu favor. Quem retornaria à pátria afirmando ter testemunhado a morte dando causa à sua própria desonra? Ainda hoje não há como afirmar o fim que teria experimentado o valente e imprudente rei D. Sebastião I. A pedido de Felipe II, um corpo foi enviado a Portugal em 1582 e depositado solenemente na cripta do Mosteiro dos Jerônimos em Lisboa, onde permanece até os dias atuais.

As primeiras notícias, desencontradas, deixaram a população portuguesa entre atônita e esperançosa. A qualquer momento o rei voltaria, boatos garantiam que o rei já estava de retorno, que aguardava apenas o momento certo para restaurar seu trono e dinastia. Impostores se apresentaram afirmando serem o rei, mas de modo geral a prisão e a morte eram seus prêmios. Tudo se dizia, nada se comprovava.

O fato é que em meio à crise sucessória, com improváveis candidatos ilegítimos e apenas o Cardeal Henrique como sucessor legal, Portugal viu ascender ao trono o último representante da Dinastia de Avis, que reinava desde 1385: Henrique I. Mas por destino, ou por uma infeliz sucessão de acasos, a fria lâmina da morte ceifou também a vida de Henrique I em 1580. Sem mais herdeiros, sem caminhos, aparentemente abandonado pela boa sorte, Portugal acabou sob o domínio espanhol, pois Felipe II reivindicou seus direitos alegando parentesco distante com Sebastião I. Aquela alegação não seria impossível, face aos incontáveis casamentos arranjados entre as cortes europeias. De todo modo, não passou de um artifício de esperteza que teve bom êxito.

Entre 1580 e 1640, todo o império português, distribuído entre Europa, América, África e Ásia foi anexado ao império espanhol sob uma só coroa. O Brasil passava a ser também uma das muitas colônias espanholas. O Tratado de Tordesilhas perdeu sua razão de existir, e na prática a fronteira passou a ser limitada pela medida do ímpeto e do vigor de quem pudesse desafiar os rigores dos sertões.

Morreu o rei, mas a cada dia a esperança era realimentada. Ele voltará! Ele ressurgirá! Ele nos salvará! Ele nos redimirá! Da terceira pessoa sempre se espera o verbo que indica a ação, mas a primeira pessoa também pode se antecipar e agir. Muitos portugueses esperaram por seu mito messiânico, mas ele não veio, o messias não voltou… De Sebastião restou apenas o seu culto, ou seja, o Sebastianismo.

Não trataremos das desventuras portuguesas no período da União Ibérica, ou da expansão territorial do Brasil, manteremos nosso foco em D. Sebastião I. Não mais no homem, mas no mito. Nesta (longa) introdução ao tema, necessária para a contextualização, pudemos compreender as motivações do surgimento do mito messiânico conhecido como Sebastianismo. Na continuação deste artigo trataremos de seus desdobramentos e da influência que possa ter na mentalidade coletiva, inconsciente ou não, da população brasileira. Até lá!

Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania N.º 26

Sobre o autor

Mauricio Motta

Mauricio Motta - Professor licenciado em História Pós-graduado em História do Brasil e colunista na Revista Conhecimento & Cidadania.

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BIOGRAFIA

Leandro Costa

Servidor público, advogado impedido, professor de Direito, Diretor Acadêmico do projeto Direito nas Escolas e editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania.

Defensor de uma sociedade rica em valores, acredito que o Brasil despertou e luta para sair da lama vermelha que tentou nos engolir. Sob às bênçãos de Deus defenderemos nossa pátria, família e liberdade, tendo como arma a verdade.

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