O papel do cristão na construção da sociedade
Eu cresci ouvindo que política e religião não se misturam. Tenho certeza de que essa frase é fruto de um discurso com raízes nas convicções de líderes comunistas (ou socialistas, como desejarem chamar). Afinal, como dito por Mao Tse-tung: “que a cultura floresça e as trevas da religião desapareçam”.
O termo religião pode ser definido como um sistema de crenças, práticas e valores que se conecta com o transcendente, ou ainda, a religação entre o homem e uma divindade. Toda religião possui seus ensinamentos morais, éticos e filosóficos que tendem a orientar o comportamento de seus fiéis. A religião faz parte da cultura de um povo, é através da cultura que se cria uma identidade coletiva. Afirmo ser humanamente impossível que alguém finja demência e esqueça suas convicções, sejam religiosas ou não. Não tem como separar o homem de seus valores. Exigir isso ou é muito mau-caratismo ou muito cinismo.
A religião faz parte da cultura de uma sociedade, desempenhando um papel fundamental para caracterizar aquele grupo social. As crenças religiosas são transmitidas de geração em geração e norteiam os valores daquela sociedade. Até mesmo o nosso calendário é influenciado pela nossa fé, a comemoração da Páscoa e do Natal são bons exemplos de festividades celebradas em uma sociedade cristã.
Dito isto, prosseguiremos… O momento atual, seja mundialmente ou nacionalmente, é bastante delicado. O mundo mudou, a sociedade se reinventou e a humanidade não é mais a mesma. Como progresso, a maioria dos países se intitularam como Estados laicos. Sendo assim, a religião foi colocada como uma influência desagradável na política. Alegações de fanatismos religiosos atrapalhando na política não são atuais.
Todavia, enganam-se aqueles que tentam nos “enfiar goela abaixo” a ideia de que um governo laico é livre de influência religiosa. Um Estado laico garante a liberdade religiosa e sua manifestação pública. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre esse tema e esclareceu como a liberdade religiosa deve ser entendida no Estado brasileiro:
“A liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa.” (STF, ADI 2566/DF. Redator min. Edson Fachin, julgado em 16/05/2018, publ. DJ 23/10/2018).
Não é difícil concluir que ser religioso incomoda, ser cristão incomoda, incomoda muito mais… Comunismo e fé nunca se conversaram, pelo menos se pensava isso até algumas décadas atrás. Por um lado, podemos dizer que melhoramos e evoluímos. Por outro, temos muito a lamentar. Não é mero acaso as comparações do cenário atual ao livro de Apocalipse.
No artigo anterior, falávamos sobre as aparições marianas e os alertas sobre o avanço do comunismo no mundo. Muitas vezes, os religiosos sentem-se distantes ou desinteressados pela política, mas é crucial compreender a importância de se envolver nesse campo como cidadãos engajados. Como cidadãos e fiéis, somos chamados a participar ativamente da esfera política, levando nossa fé para o espaço público e contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
A fé cristã não se restringe apenas ao âmbito espiritual, mas também aos aspectos sociais, econômicos e políticos. Existe uma profunda preocupação com a justiça social e a dignidade humana, desde seus primórdios. Quanto ao catolicismo, os princípios éticos da doutrina social da Igreja fornecem uma base sólida para a participação política dos católicos. Os pensamentos bíblicos fornecem diretrizes que guiam os cidadãos em sua participação política.
O livro bíblico dos profetas, que compreende os livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e outros, é um bom exemplo de convite aos fiéis a não se contentarem com uma sociedade sem idoneidade. Neste livro, existem advertências, repreensões, conselhos e mensagens divinas ao povo de Israel e às nações vizinhas. Essas mensagens frequentemente abordavam questões políticas, sociais e éticas. Os profetas realizavam duras críticas aos governantes e líderes injustos, que exploravam o povo e violavam os princípios de justiça e retidão. Eles denunciavam a opressão, a corrupção, a idolatria e todas as práticas contrárias à vontade de Deus. Além disso, falavam sobre a responsabilidade dos governantes em conduzir o povo conforme os desígnios divinos.
Na verdade, a busca pelo bem comum é uma responsabilidade de todos os fiéis. Ao se envolverem na política, os cristãos podem advogar por políticas que promovam seus ideais de fé. Além disso, conseguem influenciar as decisões políticas, levar suas convicções e perspectivas para a formulação de políticas públicas mais cristãs e legislar combatendo a perseguição religiosa. Deste modo, estão moldando a sociedade conforme os valores cristãos. Através da política, temos a oportunidade de sermos agentes de transformação e realizar debates morais e éticos. A política é uma ferramenta essencial na busca de mudanças e para impactar a vida da sociedade.
Todavia, é fundamental que os cristãos se envolvam na política de forma responsável, pautando suas decisões preservando sua integridade, utilizando sabedoria e discernimento. Em outras palavras, buscando agir de acordo com seus princípios éticos e morais de fé, buscando combater a corrupção, o oportunismo e recusando-se a se privilegiar em detrimento do bem comum.
Por fim, todo fiel é convidado a exercer seu papel de cidadão de modo consciente, buscando contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada. A política é uma esfera de influência onde os cristãos podem ser sal e luz, levando a esperança, a compaixão e os valores do Evangelho para o cenário político e em benefício da sociedade.
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. II N.º 30