Medicina e Pandemia na Constituição x Suplício de Prometeu

Medicina e Pandemia na Constituição x Suplício de Prometeu

Por Cecília Carnaúba

Quando a noite produzia seu mais denso negrume, ouvia-se o estalido da imensa vara dourada de Hélio açoitar o ar, o estalido acordava seis vigorosíssimos cavalos cor de caramelo com crinas e caudas douradas. Hélio os atrelava a uma carruagem monumental, tomava as rédeas e novo estalido se ouvia, os cavalos partiam puxando a Carruagem do Sol, pelo mais alto do céu, para atravessar a Terra rumo ao poente. Assim amanheciam os dias, na Grécia, para revelar a beleza do mundo. No Olimpo era festa, os Deuses, autossuficientes, produziam sua própria vitalidade, deleitavam-se com ambrosia e néctar por puro prazer, não precisavam deles para existir. No mundo dos homens, as manhãs revelavam sofrimento e humilhação, eles tinham que extrair energia da natureza para viver, possuíam uma subvitalidade, deveriam alimentar-se constantemente para manter a vida, não eram autossustentáveis, precisavam comer.

Ocorre que os humanos eram mais frágeis que os outros animais, precisavam cozer os alimentos para evitar doenças, mas Zeus havia retirado o fogo da terra. De início, o fogo vivia na copa dos Freixos, onde os homens o alcançavam facilmente, Zeus o havia escondido na Carruagem do Sol, tornando-o inatingível para os homens que nunca foram capazes de voar. A falta do fogo adoecia os humanos, seus corpos definhavam até a morte por causa do frio e dos males que a ingestão de grãos e carnes cruas lhes causava. Viviam abatidos, humilhados incapazes de desenvolver sua mais bela habilidade: aprender por associação de ideias para criar bem-estar.

Prometeu, compadecido com tanto sofrimento causado pelas doenças humanas, e sendo ele descendente dos Titãs, tinha poderes extra-humanos. Colheu um galho de funcho, que é verde por fora mas seco por dentro, subiu disfarçadamente ao céu, aonde passava o Carro do Sol, colheu uma fagulhai, a escondeu dentro do galho de funcho e a entregou aos homens. À noite, Zeus viu todas as moradas humanas iluminadas, subjugado o frio, fogueiras acessas, a cozer alimentos e a transformar em cinzas todas as doenças que maltratavam o ser humano. Era a chegada da prosperidade. Enfureceu-se com o acinte de Prometeu que, movido pelo amor, havia contrariado suas ordens, aplicou-lhe tormentosa penalidade: viver acorrentado a uma pedra onde um abutre lhe devorava o fígado diariamente, pois o órgão se regenerava logo após a devora. Suplício interminável.

Tal qual Prometeu, a medicina se move pelo amor ao ser humano, busca livrá-los, do sofrimento provocado pelas doenças. Este amor também levou o poder constituinte originário a inserir, na Constituição brasileira, o direito/dever de promoção da saúde. Para garantir que o socorro da medicina esteja ao alcance dos cidadãos, a Constituição conferiu, à saúde, o grau de relevância pública, na forma do artigo 197. Ademais, estruturou um minucioso sistema de planejamento e de ações, a ela relativas, que se completa com a legislação infraconstitucional assecuratória de liberdade de exercício da medicina.

Segundo a Constituição, os serviços e ações de saúde são desempenhados em sistema de unidade e de forma hierarquizada, como estabelece seu artigo 198, porque interessam, de modo uniforme, a todo o território nacional. Em cumprimento do princípio de unidade dos serviços instituiu-se o Sistema Único de Saúde, para cumprimento do princípio de unidade, relativamente às ações, estabeleceu-se sua coordenação pelo Ministério da Saúde, obedecidas as normas constitucionais de fixação de competência político/administrativas e o regramento único das carreiras profissionais, nomeadamente a dos médicos.

A concretização do princípio de unidade da saúde, quanto ao regramento do exercício da medicina, se concretizou através da instituição do Conselho Federal de Medicina e da edição do Código de Ética médica. O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem estrutura hierarquizada ao qual se subordinam os Conselhos Regionais de Medicina (CRM). É dizer: os Conselhos Regionais executam as deliberações do Conselho Federal, a discricionariedade deliberativa de que dispõem se circunscreve a decisões dentro dos parâmetros estabelecidos pelo CFM e pelo Código de Ética Médica. O mesmo se aplica a qualquer outra entidade representativa de médicos ou especialidades da medicina, que estão proibidas de posicionamentos coletivos contrários às decisões hierarquicamente superiores do Conselho Federal de Medicina.

No caso de calamidades públicas, como é o caso da atual pandemia de Corona Vírus, toda esta estrutura normativa se vincula à expressa determinação constitucional de competência única da União para planejar e promover a defesa, do interesse público de saúde, bem como realizar a mobilização nacional para sua superação. É o que dizem os incisos XVIII e XXVIII, art. 21 da Constituição da República. Encurtando as razões: Conselho Federal de Medicina desenvolve competência da União para normatizações e orientações em medicina, e o faz de forma exclusiva, única e hierarquizada, as ações de qualquer outra entidade representativa de médicos estão subordinadas as suas diretrizes.

A atual pandemia de Corona Vírus materializa situação de excepcionalidade, em face do desconhecimento técnico do vírus e da enormidade de vítimas que ele faz. Neste contexto, o CFM editou o Parecer nº 4/2020, que propõe, aos médicos, considerar o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, para o tratamento da COVID 19 em pacientes com sintomas leves, no início do quadro clínico. O parecer concretiza de modo específico a competência da União para o trato de calamidades e o princípio constitucional de unidade das ações de saúde, ademais, se impõe a todos os Conselhos Regionais de Medicina e entidades médicas, pois estas lhes são subordinadas hierarquicamente.

Qualquer ação de entidades médicas que desatendam à orientação do Conselho Federal de Medicina, além de passíveis das penalidades disciplinares internas, caracterizam usurpação de competência deste colegiado, portanto, se assim procederem seus representantes agem com abuso de autoridade. Violam a lei institutiva do CFM. Estas ações abusivas desacatam, também, o princípio de legalidade administrativa, inserto no artigo 37, da Constituição da República, o que coloca as respectivas autoridades vulneráveis a ações de improbidade administrativa que, a depender das circunstâncias, pode revelar, inclusive, desvio de finalidade das atribuições dos cargos e funções.

A contradita do parecer CFM nº 4/2020, por entidade médica de âmbito local ou regional, pode ainda, a depender das circunstâncias, caracterizar constrangimento ilegal ao livre exercício da medicina em afronta ao Código de Ética Médica. Em face da imposição de barreira inconstitucional, ofensiva à divisão de competências da federação, bem como aos princípios de unidade e hierarquia das ações de saúde. Tais barreiras são, simultaneamente, ilegais por desacato ao dever de subordinação às deliberações do CFM, normativamente estabelecida. Ademais, a instituição de barreiras ao livre exercício da medicina por autoridades constitucionalmente incompetentes e normativamente carentes de atribuição para tanto, constitui assédio eticamente inadmissível. Este assédio obstrui os valores de liberdade e solidariedade sociais, insertos no artigo 3º da Constituição de 1988, sobre os quais se ergue o sistema normativo constitucional da República Federativa do Brasil, portanto, além de reprimendas disciplinares internas, sujeita-se a responsabilizações judiciais.

Os que juraram empenhar suas vidas na salvação das vidas alheias, por amor ao ser humano, não merecem ser punidos com o mesmo suplício imposto a Prometeu. Espero que os que se empenham em fazer valer as liberdades constitucionais, inclusive a liberdade da medicina, igualmente por amor ao ser humano, também não sejam merecedores deste infame tormento. Nomeadamente porque Hércules, que libertou Prometeu da tortura injusta, adormeceu profundamente desde a antiguidade e não pode nos valer agora. Tomara que o princípio de supremacia da Constituição da República Democrática do Brasil seja capaz de fazer as suas vezes, pelo bem do direito de liberdade e do princípio constitucional de justiça que são a base da prosperidade. Sem respeito ao princípio fundamental de supremacia constitucional, não existe democracia.

Sobre o autor

Leandro Costa

Ideias conservadoras estão mudando o Brasil Todas as faces da esquerda, do socialismo mais radical à social democracia levaram nosso país para as trevas, destruíram a moral dos cidadãos e acabaram com os valores. Os conservadores estão tentando, desesperadamente, tirar o Brasil deste caos. Precisamos unir nossas forças enquanto é tempo de salvar nossa nação. Meu nome é Leandro Costa criei este site para divulgar ideias, trabalhos e contar com você para me ajudar a mudar o Rio de Janeiro e talvez o Brasil. Pretendo usar meus conhecimentos para, de fato, ajudar na construção de um mundo melhor. Convido você a fazer parte do meu time de apoiadores, amigos, entusiastas e todos que acreditam em minhas ideias. Defendo o conservadorismo e conto com sua ajuda para tirar o nosso povo da lama que a esquerda nos colocou.

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BIOGRAFIA

Leandro Costa

Servidor público, advogado impedido, professor de Direito, Diretor Acadêmico do projeto Direito nas Escolas e editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania.

Defensor de uma sociedade rica em valores, acredito que o Brasil despertou e luta para sair da lama vermelha que tentou nos engolir. Sob às bênçãos de Deus defenderemos nossa pátria, família e liberdade, tendo como arma a verdade.

É preciso fazer a nossa parte como cidadãos, lutar incessantemente por nosso povo e deixar um legado para as futuras gerações. A política deve ser um meio do cidadão conduzir a nação, jamais uma forma de submissão a tiranos.

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