Os Unidos do Tuyutí

Os Unidos do Tuyutí

Por Maurício Motta

O dia 24 de maio de 1866 representa para a história da América Latina, como o dia em que ocorreu a mais sangrenta batalha ocorrida em solo sul-americano – a Batalha de Tuiuti. Contando com a participação de mais de cinquenta e cinco mil homens, aquela batalha marcou a consolidação das vitórias da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai) durante a Guerra do Paraguai, e que culminaram com a morte do presidente paraguaio Francisco Solano López e a rendição paraguaia. Conhecida na Argentina e no Uruguai como a Guerra da Tríplice Aliança; como Guerra Grande, Guerra Contra a Tríplice Aliança ou ainda Guerra-Guaçu no Paraguai, aquela guerra consta dentre os registros históricos mais importantes de nossos vizinhos ao sul. Este é o tema que pretendemos apresentar e sobre o qual buscaremos refletir, com foco especial em Tuiuti.

A região do Rio da Prata, um estuário que reúne as águas dos rios Paraná e Uruguai, desde o período joanino foi de fundamental importância para o acesso e as trocas comerciais com as províncias do centro-oeste e sul do Brasil. Importante não só para o Brasil, mas também para o Paraguai, Argentina e Uruguai. Em termos estratégicos, quem obtivesse o controle da navegação daqueles rios, teria também o controle geopolítico da região sul das américas. Particularmente a região da Cisplatina, conquistada em 1816 no período de D. João VI e perdida em 1828 durante o primeiro reinado de D. Pedro I, já havia sido alvo de disputas entre Brasil e Argentina, abrindo espaço para o surgimento do Uruguai como Nação independente, tendo a Inglaterra como mediadora.

No contexto de disputa geopolítica e de divisões internas observadas no penúltimo quartel do século XIX, o Uruguai se encontrava em guerra civil, dividido entre as forças oficiais de Atanásio Aguirre e os

rebeldes comandados por Venâncio Flores. Paralelamente o governo brasileiro já havia enviado sua diplomacia para discutir aquelas questões políticas internas e a questão dos estancieiros brasileiros, proprietários de terras no Uruguai e que vinham sofrendo ataques e assaltos, tendo muitas de suas cabeças de gado roubadas naquelas incursões. A questão se arrastava desde junho de 1864 sem solução, quando novos fatos precipitaram o início do conflito. Em agosto o governo brasileiro ameaçou promover uma intervenção no Uruguai caso não houvesse solução para a questão dos estancieiros e o fim da guerra civil. No mesmo mês o Uruguai rompeu relações com o Brasil e, em outubro o Uruguai foi invadido pelas tropas do império brasileiro.

Em novembro, percebendo a ameaça que poderia representar a invasão do Uruguai, e temendo o aumento da influência brasileira na região, o governo paraguaio como forma de retaliação, apreende o navio a vapor brasileiro Marquês de Olinda e, em dezembro declara guerra ao Brasil, invadindo em seguida Corumbá e Dourados no Mato Grosso (atualmente localizados no Mato Grosso do Sul), além de assentamentos próximos. Solano López intentava expandir o território paraguaio, ocupando o Mato Grosso, o Rio Grande do Sul, as regiões de Corrientes e Entre Rios na Argentina e por fim o próprio Uruguai. O sonho expansionista de López visava a formação de uma “grande pátria” paraguaia, que faria frente ao império brasileiro e garantiria o controle da navegação dos rios Paraná, Uruguai e do conjunto do Rio da Prata. O acesso exclusivo ao comércio atlântico garantiria riqueza para o Paraguai e tornaria o centro-oeste brasileiro uma região difícil de acessar e manter.

Mesmo com a assinatura do Tratado da Tríplice Aliança em 1865, entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai (já pacificado), este fato não impediu a incursão das tropas paraguaias na Argentina e a ocupação de Uruguaiana no Rio Grande do Sul. A crença era de que o conflito seria breve e a vitória fácil, dada a superioridade numérica dos aliados, seu maior poderio bélico e seus artefatos tecnologicamente mais modernos. Entretanto, os rios eram domínio das forças paraguaias e seu avanço também em terra somados às suas vitórias, punham em questão a capacidade dos aliados de vencerem o conflito. Porém, ainda em 1865 com a vitória na Batalha de Riachuelo e a retomada de Uruguaiana, as forças paraguaias sofrem um revés, ainda não o suficiente para diminuir o seu ímpeto.

A meta dos aliados após Riachuelo, era a conquista de Humaitá. A jornada iniciou ao cruzar o rio Paraná e a efetiva invasão do território paraguaio. Região pantanosa e era de dificílimo progresso para as tropas de infantaria e cavalaria. De igual modo o transporte de peças de artilharia se demonstrava tarefa penosa para as tropas. Por fim, atacar e conquistar o conjunto de fortificações de Humaitá demandaria inúmeras perdas humanas e despesas.

A base de operações dos aliados foi instalada em meados de maio, no encontro dos rios Paraguai e Paraná, às margens da Laguna de Tuyutí, cerca de 14 quilômetros de Humaitá. A região foi escolhida por ser de terreno seco, algo pouco comum na região. O avanço das tropas encontraria juncos, areais espinhosos e pântanos até chegar às forças paraguaias, e contou com outro adversário: a cólera. A epidemia fazia numerosas baixas entre os aliados, tornando a missão ainda mais difícil. Outro ponto era a relação de espaço versus contingente alocado. Cerca de trinta e dois mil homens, cavalos e equipamentos, ocupando uma área de aproximadamente 1000 hectares de terra. Espaço exíguo para um acampamento militar e para a perfeita movimentação de tropas com tal contingente.

De acordo com as estratégias militares, consolidadas por milênios de experiências em batalhas campais, atacar um inimigo em sua fortaleza, expõe as tropas a um cenário extremamente adverso. Certamente não seria a estratégia preferida de qualquer general, ainda mais diante das dificuldades de avanço, o cansaço e a epidemia. Ainda assim, o ataque foi marcado para 25 de maio de 1866, porém, Solano López fora alertado da proximidade das tropas da Tríplice Aliança e decidiu surpreender a todos – incluindo seus generais – ao propor um ataque preventivo e de surpresa ao acampamento aliado. Usando de eufemismo, a estratégia era ‘inovadora’ porque pretendia lançar a cavalaria à frente da infantaria. Algo completamente surpreendente segundo as técnicas usuais de combate da época, que aplicavam inicialmente a artilharia e a infantaria, utilizando a cavalaria para finalizar os combates. Apesar de sui generis, a seus generais pareceu exequível e, considerando que não era possível a qualquer general paraguaio se opor a uma ordem vinda de Solano López, restava pôr em ação seus vinte e quatro mil homens, divididos em quatro colunas: duas à frente, uma na retaguarda, e uma a leste do acampamento aliado.

Antes de prosseguir, cabe destacar que as forças aliadas não conheciam o terreno que intentavam conquistar, desconheciam o poderio bélico paraguaio e não buscaram fortalecer as defesas do acampamento, contando com a aspereza do meio-ambiente como impeditivo para que o inimigo abandonasse sua base segura. A exceção àquela quase consensual displicência estratégica entre o comando aliado foi o tenente-coronel Emílio Louis Mallet, comandante do 1º Regimento de Artilharia a Cavalo do Exército Brasileiro, que ordenou que fossem cavados fossos largos e profundos e que, fossem também encobertos por vegetação para servirem como elemento surpresa e impeditivo para o avanço inimigo. Tal preparativo, além de manter seu regimento constantemente em prontidão, foram o elo forte que manteve firme a resistência e posterior vitória aliada na batalha. Os preparativos de Mallet foram vivamente criticados por seus pares que consideravam desonroso qualquer fuga ao combate aberto, homem a homem.

A inversão da lógica de batalha pretendida por Solano López, associada à postura de Mallet de atenção à defesa de seu flanco na vanguarda do acampamento e, a ampla vantagem oferecida pelos canhões e fuzis raiados, que davam maior precisão no disparo, deram a vitória aos aliados. A desproporção numérica de vinte e quatro mil paraguaios contra trinta e dois mil aliados não teria sido suficiente para garantir a vitória. O terreno impróprio para uma batalha campal, as sólidas fortificações inimigas, o desconhecimento do terreno e do próprio inimigo contavam contra.

O ataque que deveria ter ocorrido ao raiar do sol do dia vinte e quatro de maio, foi adiado em função da espessa neblina de maio que se abatia sobre a região pantanosa. Apenas nas proximidades do horário do almoço é que os primeiros tiros foram ouvidos, enquanto às centenas, os infantes paraguaios erguiam suas espadas em direção ao acampamento. Os canhões raiados franceses La Hitte, abriram clarões nas colunas formadas pelos paraguaios. Homens e cavalos eram despedaçados enquanto outros caíam no fosso de Mallet (bendito fosso!). As posições aliadas menos preparadas, em pouco tempo se reorganizaram e rechaçaram o ataque usando tanto quanto possível a artilharia. Os corpos se sobrepunham durante a carnificina e aos milhares os paraguaios eram mortos. Também entre os aliados as baixas foram sentidas, em número menor, possivelmente em razão dos mosquetes de pederneira e fuzis não raiados dos paraguaios, o que diminuía a prontidão de uso e a precisão de tiro.

Quase seis horas depois dos primeiros disparos, os sobreviventes paraguaios desataram em debandada apressada. Os aliados contavam perto de mil mortos e quase três mil feridos; entre os paraguaios estima-se que tenham tombado em torno de seis mil homens e entre os feridos um pouco mais de sete mil. Foi uma enorme derrota para Solano López. Quanto aos aliados, elevou em muito o moral das tropas e proporcionou a partir daquele 24 de maio o ponto de inflexão que levou à vitória final da Tríplice Aliança em março de 1870.

Alterando drasticamente nossa análise dos fatos ocorridos entre 1864 e 1870, e avançando para a atualidade, quando lançamos o olhar sobre o cenário eleitoral e político de 2022, mais uma vez constatamos que há muito o que aprender com a história.

Assim como na de Tuiuti, não se pode contar com a superioridade numérica. Mesmo diante de manifestações e motociatas que literalmente tomam as ruas, deixando obvia a ampla maioria sobre o eleitorado de oposição, as estratégias adversárias podem tentar subverter a lógica e nos pegar de surpresa.

Jamais devemos nos esquecer que, enquanto soldados defensores de valores que transcendem a nós mesmos, ocupamos espaços ainda diminutos, estando cercados por uma ‘região pantanosa’ repleta de juncos, formada ao longo de quase cem anos de história do Brasil. Estes pântanos são formados pelas instituições e órgãos de Estado que se encontram aparelhadas e resistem contra a alteração do status quod. Os juncos são compostos por funcionários públicos, sindicatos, militantes e ONG’s que igualmente resistem ao avanço das ideias e práticas ligadas ao conservadorismo e à libertação do povo brasileiro.

Assim como as tropas aliadas, não conhecemos o território no qual avançamos, visto que permanecemos por décadas na segurança de nossos lares, completamente alheios à realidade cruel do ambiente político e hipnotizados pelas mídias compradas.

A cavalaria foi utilizada em Tuiuti como primeiro artifício, invertendo a lógica das batalhas. Nos tempos atuais a cavalaria assume a forma dos condutores da informação, ágeis e capazes de derrubar qualquer um que se ponha a sua frente. Subvertendo a lógica do conhecimento, a informação trazida pela ‘cavalaria’ supõe colocar-se acima dos fatos, mas ante a potência dos canhões da realidade, é despedaçada e vencida.

Por outro lado, de sorte que contamos com a liderança de um ‘capitão Mallet”, sempre atento às possibilidades de ação dos adversários da Pátria. Tantas vezes seus alertas e suas ações preventivas são tratadas com desdém e tidas como “sem fundamento”. O fosso representado pelos valores da família, da fé em Deus e da defesa da Pátria, garantidos pelo nosso Mallet moderno, é que tem impedido que o inimigo não tome de assalto e de uma vez por todas o nosso acampamento.

Segundo analistas da época, um dos maiores erros estratégicos das forças aliadas foi não ter marchado no rastro dos fugitivos, dando-lhes a chance se se reagruparem após a derrota que sofreram em Tuiuti. Igualmente, ainda há entre nossos aliados contemporâneos aqueles que entendem a ocupação e manutenção de nosso acampamento como um fim em si mesmo. Não! Devemos partir e conquistar o quanto antes as posições defensivas de nossos adversários, posto que estão sempre buscando realinhar fileiras contra nós.

Concluímos que no século XIX o controle dos rios Paraná e Uruguai, conduziam à riqueza e prosperidade os seus controladores e consequentemente a perpetuação de seu poder. Em nosso passado recente, percebemos que os rios estatais que poderiam servir ao bem comum da população brasileira, na verdade sangravam nossas riquezas e vinham sendo controlados pelos que sempre buscaram se perpetuar no poder, mantendo cativos o pensamento e as potencialidades de nosso povo.

Finalmente, para que nossa batalha não se estenda por muitos anos, vamos enfrentar o pântano, o junco, a cavalaria inimiga, seguindo em frente rumo a ‘Humaitá’, a ‘Assunção’ e finalmente derrotaremos o exército vermelho do ‘Solano López’ contemporâneo, e sua ideologia da “grande pátria” da América Latina. Se antes apresentavam fuzis e mosquetões, agora suas armas são a foice e o martelo. Estejamos atentos!

Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!

Sobre o autor

Mauricio Motta

Mauricio Motta - Professor licenciado em História Pós-graduado em História do Brasil e colunista na Revista Conhecimento & Cidadania.

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BIOGRAFIA

Leandro Costa

Servidor público, advogado impedido, professor de Direito, Diretor Acadêmico do projeto Direito nas Escolas e editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania.

Defensor de uma sociedade rica em valores, acredito que o Brasil despertou e luta para sair da lama vermelha que tentou nos engolir. Sob às bênçãos de Deus defenderemos nossa pátria, família e liberdade, tendo como arma a verdade.

É preciso fazer a nossa parte como cidadãos, lutar incessantemente por nosso povo e deixar um legado para as futuras gerações. A política deve ser um meio do cidadão conduzir a nação, jamais uma forma de submissão a tiranos.

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